John Ulhoa é multi-instrumentista, produtor musical e membro fundador da banda mineira Pato Fu, uma das mais originais do pop rock nacional, com nada menos que 13 álbuns e cinco DVDs na bagagem.
Pilotando as mesas de gravação, colaborou com grandes nomes da música brasileira, dentre eles: Arnaldo Baptista (ex-Mutantes), Zélia Duncan, Fernanda Takai, o próprio Pato Fu e outros. Além disso, lançou em 2013 o primeiro disco solo, chamado “Alice no País das Maravilhas” – trilha sonora do espetáculo homônimo realizado pelo grupo de teatro de bonecos Giramundo. Em 2020, veio à luz o disco “ABCYÇWÖK“, gravado em parceria com o multimídia André Abujamra. Já nos primeiros dias de 2021, foi a vez do intimista single “Diga Sim”.
Ao longo da entrevista, o músico falou sobre a nova canção, opinou sobre as lives, o status atual do rock nacional com relação ao público, relembrou a produção do disco “Let it Bed” (Arnaldo Baptista), além de contar novidades sobre Pato Fu e muito mais.
A recém-lançada música “Diga Sim” é o prenúncio de um novo álbum solo?
John: Não, ela realmente é apenas um single avulso. Posso até vir a lançar outros, mas não tenho mesmo a intenção de investir seriamente numa carreira solo. “Diga Sim” veio de uma necessidade de me comunicar através da música com alguns amigos em especial, e achei que outras pessoas poderiam se identificar. É um recado muito pessoal, por isso resolvi produzir e lançar sozinho.
Com a restrição aos shows presenciais, as lives se tornaram eventos corriqueiros para muitos artistas. Você se sente confortável em se apresentar nesse formato?
John: Mais ou menos. Prefiro as lives de pequenas apresentações caseiras. Não gosto de produções completas, shows inteiros… Fizemos alguns em que conseguimos as difíceis condições de segurança, conseguimos socializar o cachê entre a banda e equipe, mesmo quando não havia participação de todos, mas sinceramente, entre os motivos pelos quais torço pra essa pandemia acabar, está o fato de que esse formato de lives já deu o que tinha de dar, pelo menos do meu ponto de vista artístico. A gente tem preferido abastecer nosso fã clube com um pouco de nostalgia, imagens raras, ou novas gravações.
Você produziu vários artistas, dentre eles o ex-mutante Arnaldo Baptista (Let it Bed, 2004), infelizmente um herói pouco lembrado da música brasileira. Como foi produzir o Arnaldo?
John: Foi incrível! Fomos (eu e o Rubinho Troll) pra Juiz de Fora simplesmente para gravar o Arnaldo, sem ter muita certeza de que teríamos um disco no final. O pessoal do Andar Estúdio de BH depois também entrou na jogada, e todos nós sentíamos um misto de alegria de promover o retorno da arte de alguém tão especial, mas ao mesmo tempo a responsabilidade era enorme. Ele tem um séquito de admiradores muito fiéis, não podíamos fazer nada que decepcionasse quem sempre o acompanhou.
A forma de ouvir música através de mídia física não é mais hegemônica no mercado musical, perdendo espaço para os serviços de streaming. Você enxerga essa mudança como positiva para o músico e para a música em geral?
John: Pelo lado da facilidade em se colocar sua música disponível pro mundo inteiro, é positivo. Você sempre tem algum retorno das pessoas, isso é legal. Mas como modelo de negócio, é infinitamente inferior ao que era na época das gravadoras e do CD ou vinil. Novos artistas talentosos conseguem alguma popularidade na internet, mas é cada vez mais difícil fazer disso uma profissão, se sustentar da música. No entanto, é como é, temos consciência que aquele modelo antigo não existe mais. Acho que aos poucos o streaming pode se tornar mais justo para os artistas e compositores se soubermos pressionar as plataformas da mesma forma que compositores há muitas décadas se organizaram pelo pagamento justo dos direitos autorais – que nesse momento encontra-se ameaçado novamente.
Atualmente o rock nacional está longe das paradas de sucessos, ao contrário do que aconteceu ao longo da década de 80 e primeira metade dos 90. O que você acha que é preciso acontecer para o rock nacional ganhar a atenção do público novamente?
John: Bom, essas preferências populares costumam vir como ondas, talvez o rock volte pro mainstream quando menos se esperar. Hoje em dia, muitos jovens enxergam o rock como “música de velho”. Mesmo a garotada que monta banda quase sempre tem um enfoque “vintage”, saudosistas de uma época que não viveram. Não vejo muitos adolescentes interessados em guitarras e a fim de montar bandas pra produzir trabalho autoral. Um inesperado sucesso de alguma banda assim pode ser o gatilho para que isso volte a acontecer, mas não consigo captar isso surgindo no momento. De todo modo, o rock por muito tempo ainda vai ter seu público fiel, tem uma certa estabilidade em sua base de fãs que sustenta o gênero.
Falando sobre guitarras, você coleciona o instrumento ou acessórios (pedais, amps etc.)? Tem algum modelo preferido?
John: Não coleciono, por assim dizer. Tenho as guitarras que fui juntando ao longo da carreira, raramente me desfaço de alguma, mas todas elas eu comprei pra usar, não pra pendurar na parede. Exceto uma, uma LaBaye do DEVO, que mesmo assim, uso em gravações de vez em quando, só pra fazer valer. Último amp que comprei deve ter mais de 25 anos. Não uso mais amp, nem em shows. Tenho poucos pedais, quase não uso também. Ao vivo, prefiro as pedaleiras, no momento minha favorita é a GT100 da Boss. Sou tipo um traidor do movimento “fetiche por guitarras/pedais/amps”. Gosto de pesquisar tecnologia, mas muito mais voltado pro mundo digital do que do analógico.
O que você tem feito para manter sua mente sã durante a pandemia?
John: Tenho produzido em estúdio, resgatado material antigo (fotos, vídeos, cartazes). E tenho andado de skate, procurando pistas vazias e de máscara.
Ultimamente no Brasil, a cultura e os artistas têm sido alvos frequentes de ataques diretos ou estimulados por quem deveria fomentá-la. Como você enxerga essa questão?
John: Isso é o que acontece nos regimes sem apreço pela democracia, nenhuma novidade. Só uma mistura bem fedorenta de tapados com mal-intencionados explica a propagação de ideias como “ah, artista vive na mamata da Rouanet” que se vê por aí. Premissa falsa pra tirar a credibilidade de quem se posiciona criticamente em relação a esse governo de desconstrução da cultura – promessa de campanha. Quando voltarem pro esgoto de onde saíram, faremos grandes shows pra comemorar, pode crer.
No ano passado você lançou o álbum “ABCYÇWÖK” com o André Abujamra. Você poderia nos contar um pouco sobre esse projeto? O nome tem algum significado especial?
John: Esse álbum é o resultado de uma brincadeira que comecei há 15 anos com o Abu. Ideias espontâneas, trocas de arquivos por internet, com o conceito de que cada um fazia uma coisa e devolvia pro outro continuar. Paramos por um tempão, e agora na quarentena resolvemos terminar. O nome, claro que tem um significado místico. Só não sabemos qual, é obscuro até mesmo pra nós mesmos… Mas foi criado usando a mesma técnica, via WhatsApp. Cada um falou uma letra, até chegar nesse resultado dadaísta.
Como você definiria o som do Pato Fu? Você se importa com rótulos?
John: Não me importo, mas é difícil achar um que sirva direitinho pro Pato Fu. Pop Rock, talvez? Rotomusic de Liquidificapum é o melhor que conseguimos até agora. O problema é que só tem a gente nessa prateleira.
Quais são os planos para o Pato Fu este ano?
John Ulhoa: Este ano lançaremos muito material raro e inédito, de todas as fases da banda, numa espécie de preparação para a comemoração dos 30 anos em 2022. Estamos garimpando nossos arquivos pessoais, muita coisa legal já apareceu.
Mais sobre John Ulhoa e Pato Fu: site, Loja Oficial, Facebook, Instagram, YouTube, Twitter, Deezer, Apple Music e Spotify.
*Autor: Álvaro Silva é apaixonado por música, guitarra e luteria. Criador de conteúdo para mídias digitais e editor do blog Guitarras Made In BraSil e do site Rotasongs.