Endorsement: ser patrocinado por uma empresa colocava o músico automaticamente no status de referência e vice-versa
[Saudosismo mode:on] Ainda me lembro das primeiras revistas de música que comprei, devia ter uns 11 ou 12 anos. Era 1991, e o mercado em nada se parecia com este que temos hoje. A abertura das importações ainda era recente, e não havia, arrisco dizer, nem um décimo das marcas que existem hoje no mercado. Especialmente, os chineses ainda não haviam dominado o Brasil. As marcas que eu via nas lojas de instrumentos da Teodoro Sampaio eram as gigantes – Fender, Gibson, Yamaha, Warwick, Peavey, etc. Era um sonho poder comprar um instrumento daqueles. Ganhar um, então, nem passava pela minha cabeça.
As marcas eram associadas somente com grandes músicos. Os anúncios traziam Slash, Eric Clapton, John Patitucci, Eddie Van Halen, Nicko McBrain, ou seja, os monstros sagrados da música. No Brasil, empresas como Tagima e Zoom tinham em suas fileiras Kiko Loureiro, Edu Ardanuy, Mozart Mello, Celso Pixinga. Era raro ver músicos brasileiros usando marcas internacionais, como Maurício Leite, que usava Pearl e Sabian. Era surreal imaginar que esses caras ganhavam estes instrumentos! Parecia um mundo muito, muito distante do meu. Ser patrocinado por uma empresa colocava o músico automaticamente no status de “referência”, e vice-versa – para ser patrocinado você tinha que ser, de fato, referência. Anos se passaram e o mercado foi invadido por um sem número de marcas, fossem nacionais ou importadas da Coréia, China, Indonésia, etc. [Saudosismo mode:off].
O cenário musical no Brasil hoje é radicalmente diferente. O músico não precisa mais ser uma referência nacional para conseguir um patrocínio. Ao mesmo tempo, a grande variedade de marcas oferece uma gama de qualidade e preço que atende virtualmente a qualquer nível de músico. Gostaria de ter uma estatística a respeito, mas me parece que quase todos os músicos profissionais, e mesmo alguns semiprofissionais (que não vivem somente de música) têm um endorsement de algum tipo.
O que é, afinal, endorsement?
Endorsement é uma palavra da língua inglesa que significa ‘endosso’, ‘aprovação’. Hoje, vejo como uma expressão de mão dupla: de um lado, grandes artistas endossam os produtos de uma marca, de modo que essa marca se beneficia da associação com o músico. De outro, a marca endossa o músico, como se o músico se beneficiasse mais da relação, em forma de credibilidade, do que a própria marca. Este último caso é o mais comum no Brasil.
Para que se possa buscar um contrato de endorsement, é preciso antes entender os mecanismos que fazem uma marca querer se associar ao músico. Na verdade, é muito simples: o que o músico tem a oferecer? Todo contrato de patrocínio é uma ação de marketing. Sendo assim, a marca busca um músico que possa expor seus produtos em shows, vídeos, programas de TV, workshops, etc. De modo geral, quanto maior o alcance do músico, maior a marca que vai querer se associar a ele, e melhor a qualidade dos instrumentos e as condições do contrato.
Atualmente ficou muito mais fácil medir esse alcance através das redes sociais. Uma boa presença online é fundamental em uma época em que as ações de marketing das empresas se voltam cada vez mais para o meio eletrônico. Outro aspecto muito valorizado é a imagem do artista. Como ele é visto no mercado, como se expressa, como se veste, se tem bom relacionamento, tudo isso é importante.
Mas, e tocar bem? Por incrível que pareça, não é o mais importante. Primeiramente, assume-se que, se você tem uma boa presença (número de seguidores) nas redes sociais, e as pessoas se interessam pelo que você faz, provavelmente você faz um bom trabalho. Evidente que ser um grande músico ajuda, e muito, a ser notado. Acontece que ser um grande músico sem agenda, sem vídeos bem feitos, sem um trabalho consistente, dificilmente vai resultar em patrocínios.
O que as empresas querem, em resumo, é que um bom músico, com bom alcance, mostre o equipamento dela para o mundo. É simples assim. E é aí que entra a relação custo-benefício: o músico pode não ser muito conhecido, mas um time de músicos pouco conhecidos pode fazer um trabalho melhor que um músico muito conhecido. E, para um músico pouco conhecido, estar em um time de endorsees e estar associado a uma empresa, tendo acesso a instrumentos com baixo ou nenhum custo, vai ser sempre uma vantagem. Ele está sendo endossado por aquela empresa, e não o contrário.
Acontece que uma parte muito importante dessa relação é frequentemente deixada em segundo plano. Aquela empresa que te patrocina faz instrumentos que você realmente quer tocar? Ou será que você aceita tocar nestes instrumentos porque são de graça, ou quase? Será que o benefício em marketing supera a sensação de tocar com um equipamento que você realmente ama? Será que o seu som, que é, afinal, o objeto principal de toda essa história, não está sofrendo?
Muitas vezes o melhor a fazer é investir na sua carreira, aumentar sua presença através de ações inteligentes nas redes sociais – o que é possível fazer sem gastar um tostão – e botar a cara para fora de casa, tocar ao vivo. Mantenha aquela marca que você deseja sempre em foco, procure construir uma relação com ela. Aproxime-se das pessoas que trabalham com ela, invista em um relacionamento!
Empresas recebem centenas de propostas
As empresas recebem diariamente um sem número de e-mails e ligações de músicos querendo patrocínio, mas nem eles mesmos sabem o que têm a oferecer. Tocar bem é obrigação, e músicos bons não faltam. Qual é o seu diferencial? Apresente um plano de marketing, mostre que tipo de ações eficientes você pode fazer que realmente vão fazer a diferença. E o mais importante: saiba avaliar se já está pronto para buscar um contrato de endorsement. Não queime cartuchos! Eu sei que a ideia de ganhar equipamentos de graça é muito tentadora, mas não seja imediatista. Um approach errado pode lhe custar uma porta fechada para sempre.
O ideal é que músico se prepare, construa sua carreira dentro e fora da internet, crie uma imagem de credibilidade e seja autêntico. Vista-se bem, fale corretamente, faça vídeos e fotos de qualidade. Evite negatividade, polêmicas e marketing apelativo (como marcar 65 pessoas em cada postagem sua). Construa uma base de fãs que realmente aprecie seu trabalho. Quando sentir que está pronto, é hora de buscar um patrocínio. Ou, ainda melhor: se estiver realmente pronto, as empresas é que vão procurar você.
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