A fábula João e Maria me veio à cabeça como comparativo na questão comercial do mundo com a China, porque as crianças desse conto infantil, gulosas que foram, seduzidas pelos doces, não se questionaram que poderia ser uma armadilha.
No caso do comércio com a China, era óbvio já nos princípios éticos, porque os preços, sendo tão baixos, obviamente expunham um setor de produção que explora mão de obra barata, em nível injusto.
Mas a sedução é forte na terceirização de produtos. Afinal, começou a ser só projetar e colocarem sua marca, e eles faziam isso muito barato, depois nem isso, porque passaram a já oferecer o produto: você comprava e colocavam sua marca (sem falar nas falsificações).
Os empresários do mundo todo nem se deram conta do poder imenso que delegavam a um só lugar do planeta. Afinal, passou a ser algo tão lucrativo, e, de acordo com o local da terra, seus impostos, suas burocracias, para que desenvolver localmente o que se podia trazer mais barato de fora?
Em contrapartida, a quantidade imensa de matéria-prima importada pela China deixa os países “felizes”, porque, da agropecuária aos minérios, os chineses, tanto pela imensa população quanto pela produção gigantesca para exportação, são compradores principais.
Num nível imperceptível ao cidadão comum, por outro lado, a China foi expandindo suas fronteiras com uma invasão comercial agressiva, adquirindo empresas abertamente ou mesmo tornando-se acionista de forma velada de incontáveis negócios, seguindo em direção à hegemonia em muitas áreas.
Resultado? As economias do mundo inteiro tornaram-se dependentes direta ou indiretamente deles, e no sistema de “a China faz, você vende”, empregos deixaram de ser gerados. Nações não se desenvolveram em todo o seu potencial tecnológico industrial porque o “doce” lucro, investindo pouco, cegou muitos homens de negócios, que, no fundo, delegavam à China toda a sua produção, e se achavam “espertos”.
Aí começa a crise da Covid-19, e não estou aqui para tecer veracidade das versões ou teorias conspiratórias. Mas o fato é que a economia mundial quebrou porque a Terra parou e adoeceu.
As economias locais necessitarão ser recuperadas, mas como fazer isso se até as máscaras cirúrgicas que usamos são na maioria chinesas? Os respiradores hospitalares são importados majoritariamente da China, e cada item do dia a dia, de forma direta ou indireta, tem algum componente chinês.
João e Maria comeram tanto doce que, sem perceber, foram colocados para ser devorados por quem lhes serviu.
A economia mundial se fartou do banquete do self-service chinês e se esqueceu de encher a despensa e de aprender a cozinhar.
Ainda por cima, graças à internet, muitos produtos são disponibilizados virtualmente, deixando de desenvolver a economia local.
Se isso é realidade em todos os setores, não é diferente no mercado da música.
Chegou a hora de o mundo todo mudar, e cada um ser militante de seu próprio quintal, e perceber que, em vias de fato, qualquer dependência gera vício, e vice-versa.
O caminho partirá da recuperação do pequeno, da redução repensada do grande, do estímulo à qualidade em relação à quantidade e preço, e do estímulo ao desenvolvimento local.
Não podemos ser globalistas em excesso nunca mais, com a economia das nações quebrada. Em verdade, temos de ser mais regionalistas, abraçando um patriotismo comercial, vendo o desenvolvimento do vizinho de pátria como imprescindível.
O erro foi esquecer de ter a manutenção da “cerquinha” do condomínio chamado País.
É coerente, louvável e necessário haver alianças comerciais, mas nunca dependência.
O mundo historicamente foi acostumado com a preguiça comodista, ora com a exploração de minerais e metais preciosos nas colônias nos séculos passados, ora com o lucro fácil da terceirização barata da produção, e isso tem um preço.
Países como Japão e Coreia dão exemplo, e já durante a crise, acordaram, e estão cortando laços de dependência com a China. Até a gigante Samsung deixou sua convergência com eles de lado. É um começo.
Efetivamente todos os setores de todas as áreas precisam despertar.
Chegou o momento de expor que não será possível olhar só a quantidade dos “doces”, mas o mal que causam à saúde das empresas.
A qualidade e o nacionalismo como marketing, nos próximos anos, serão mais atraentes que o preço.
A geração de empregos tem de ser a meta.
A crise não chegou ao seu ápice econômico, mas a saída é previsível.
João e Maria conscientemente têm de sair correndo do cativeiro, porque se voltarem a comer doces excessivamente, a “bruxa” os devora… Se é que já não devorou.