Uma lembrança bem interessante que tenho de minha infância e adolescência foi o surgimento das áreas de locação de mídias e de entrega de comida em casa.
O delivery não era algo usual no Brasil e começou com os “disk pizza”, o que fez surgir estabelecimentos que eram somente para preparo, encomenda e entrega, seja no balcão, seja pelos motoboys, que proliferaram nessa área.
Praticamente em paralelo, com o surgimento dos videogames caseiros e dos videocassetes, o serviço de locação de entretenimento por mídias cresceu tão vertiginosamente que a pirataria chegou antes de os filmes originais dessa área terem sequer se estruturado — TODAS as locadoras inicialmente trabalhavam com filmes que eram “muambados”, pirateados e legendados por pequenas produtoras, que, por sua vez, cresceram e, num determinado momento, chegaram a se oficializar, com o crescimento trazido por esse setor.
Vejam que a correlação surge naturalmente, em que as pessoas passam a alugar filmes e jogos e, ao chegar em casa, pedem pizza e refrigerante, e se divertem em família e com amigos.
Sem falar dos que traziam, oficialmente ou não, aparelhos de vídeo e games, e dos que os transcodificavam, uma área que foi crescendo naturalmente por meio da procura, porém, com o fato de que onde surge um item que supre uma necessidade, surge o expor da falha ao suprir as necessidades de outro lado. Com o crescimento do entretenimento caseiro, começou a haver na época uma crise no cinema. Nem se sonhava com a interconectividade de hoje, da internet e de gadgets que a utilizam.
Onde há oportunidades, há o comportamento de cardume
Se essas áreas surgiram mostrando uma necessidade de consumo, em paralelo surgem investidores que surfam na onda criada, e com isso, logo cresceu imensamente o número de disk pizza, de locadoras, a ponto de que qualquer garagem se tornava oportunidade de abertura de um novo negócio, que às vezes se iniciava informalmente e depois migrava para a oficialização.
Excesso de oferta gera um mercado fatiado, com fatias menores do bolo, e com isso quem se destacava era quem oferecia algo a mais, ou diferente, e assim as promoções de pizza e refrigerante se tornaram banais… Quem sobreviveria? Quem oferecesse o melhor serviço e produtos ou quem fosse inovador.
Surgem disk burgers, comida chinesa, comida árabe etc.
Sempre que um prospera, o outro abre do lado oferecendo exatamente o mesmo produto e, com isso, somente sobrevive pelo preço, ou pela qualidade ou serviço. Mas um dia tudo costuma se nivelar pelo avanço tecnológico e de práticas de mercado.
Já as locadoras dependiam unicamente da questão tecnológica, e com surgimento de grandes investidores, os pequenos caíram; e com a mudança das mídias, downloads e streaming, os grandes despencaram.
Em geral, o comportamento de cardume mercadológico é seguro por um tempo, e não exige o “pensar” — é só seguir o fluxo. Inevitavelmente, mais à frente há uma “rede” ou predadores aguardando o cardume.
Seguir o fluxo inicial, mas perceber o caminho das águas mudando a direção, às vezes aparentemente contra a maré, cria investidores mais atentos.
No mercado da música não é diferente
Todas as marcas têm suas variáveis de modelos clássicos de instrumentos e um medo de inovar, pelo risco. Mas com tantas marcas fazendo a mesma coisa, não se fragmenta mais o volume de vendas?
Mais ainda, pois não tendo a manutenção do interesse pela área e seus produtos, não se conduz a extinção do próprio negócio?
Não seria o momento de pensar no inovar o presente e incentivar o futuro?
Como negócio, a música precisa ser inicialmente atraente e inspiradora ao futuro músico, ou o músico em potencial, pois ele será o consumidor dos instrumentos e equipamentos em geral da área, e sem o incentivo do mercado futuro, com uma percepção atraente como campo profissional, o mercado se extingue.
Não perceber isso é nadar em rota da “rede”, predadores de si mesmos, num futuro onde não há quem seja consumidor, porque não se cria, nem se garante o interesse pelo “ser” músico, a base da pirâmide toda.
É muito simples perceber a importância do incentivo às atividades profissionais musicais e a manutenção da música como profissão, se continuarmos com a análise comparativa inicial, que foi com o ramo de delivery alimentício.
O mercado futuro de quem trabalha com comida é mantido pela necessidade de comer para a manutenção da vida, pelo prazer do paladar agregado.
Música necessita de esforço, de entrega, gera dor física pelas horas de treinamento, tem resultados em médio e longo prazo de estudo e, numa geração voltada ao imediatismo, cujo comportamento de cardume é o acesso às redes sociais, fica difícil o incentivo para continuidade da música sem a ação em vias de fato.
Não é mais possível cruzar os braços e esperar o mercado se “fazer” sozinho, porque é necessário plantar e depois colher…
Se o jovem não compreende o ramo da música como lucro, como prazer e superação pessoal, como esforço a ser recompensado meritocraticamente no estudo, e não como celeiro de celebridades excêntricas, e não vê remuneração no ramo, quem é que em sã consciência irá querer prosseguir na profissão?
Se não houver união e esforço na base, na manutenção da música como carreira, o mercado desaparecerá.
O cinema se reinventou pelo aprimoramento da experiência, a tal ponto que o formato é o mesmo, mas a execução, os locais, tudo foi melhorado, por meio da criação de um evento memorável.
A música, em sua base, depende do músico, do campo de trabalho a ele oferecido e do público alcançado. E o surgimento do músico depende da paixão, da inspiração pelo exemplo e da oportunidade.
Se não pensarmos que o músico é o consumidor — e ele pode estar no rumo da extinção por ausência de incentivo ao mercado futuro —, não haverá o comprador, a cadeia se desfará e o mercado acabará como negócio.
A solução é cada um proporcionar seu incentivo ao mercado futuro, porque nem sempre a maré leva ao bom caminho e, às vezes, como o salmão faz, até a exaustão, é preciso seguir o futuro nadando contra a corrente, e a comodidade de se deixar levar é o caminho para a extinção.
O lucro é resultado, o crescimento inevitável, mas quem se deixar levar pelas águas do menor esforço, não “procriará”, não deixará o futuro assegurado.