A fabricante de bateria Odery fez história. É uma das marcas brasileiras que conseguiu ultrapassar as fronteiras do País e ser reconhecida no mundo inteiro. Veja tudo nesta entrevista com Mauricio Odery Cunha, CEO
Odery! Todo mundo conhece o nome, os produtos, a qualidade. Mas, e a história? As estratégias? Os começos? Muita coisa interessante tem acontecido na empresa e com a empresa, com seus fundadores, o time e a evolução dos produtos.
“Tudo nasceu por culpa do meu irmão baterista, Alexandre Cunha. Ele descobriu um pessoal em São Paulo que fabricava baterias que na época eram bem simples e, como ele tinha muitos alunos em Campinas, começou a comprar com esse pessoal e a revender na cidade”, lembra Mauricio “Odery” Cunha, CEO da empresa.
Alexandre começou a vender mais e mais baterias, e a visitar aquele fabricante junto com seu pai, o reconhecido Mr. Odery, que estava passando por dificuldades financeiras. Sempre atento às oportunidades e com mãos hábeis para a fabricação, percebeu que poderia fazer essas baterias ainda melhor. “Eu vi os caras fazendo. Já sei como é que se faz. Vou fazer melhor.” Com essas palavras, Mr. Odery se aprofundou na manufatura.
Mauricio conta: “Apesar de ter me envolvido 100% na empresa um ano depois, também o ajudei no início indo comprar máquinas usadas em São Paulo, chapas de ferro que ele transformou em fôrmas para fazer os tambores — usava chapas de Duratex pintadas no rolinho com tinta de pintar parede, cortava-as no serrote. Ele construiu uma solda com água e sal e eletrodos ligados na energia da casa — solda na fazenda lá em Mato Grosso do Sul, onde meu pai nasceu, era assim — e, quando a ligava, a energia da casa caía. Assim se passaram dez anos no fundo da casa dele. Minha mãe não pôde abrir as janelas dos quartos por esses dez anos devido à poeira! Temos um colaborador que até hoje está na empresa — Alexandre Alves — que entrou pra valer mesmo antes de mim!”
M&M: A Odery é uma marca brasileira que conseguiu ultrapassar fronteiras e chegar à Ásia e aos Estados Unidos, uma série de lugares para onde antes o produto “bateria brasileira” não ia. Alguma vez pensou que a empresa chegaria tão longe?
Mauricio: O mundo nunca foi grande em minha visão. Sempre me fascinou o fato de conquistar além das fronteiras locais. Minha vida profissional sempre foi feita e construída de desafios. E isso sempre foi natural. Nunca foi uma coisa planejada ou desenhada de maneira formal. As coisas foram acontecendo naturalmente, mas sempre querendo mais.
Então, respondendo à sua pergunta de forma mais direta: sim! Sempre almejei chegar longe. Sempre sonhei em ir longe, mais longe, e sem dar bola para o que os outros falavam. Já falaram tanto. Nunca liguei para isso. O negócio sempre foi acreditar em nós mesmos. Acreditar que podíamos e que só dependia da gente e de mais ninguém. Acredito demais que o que se planta e se rega, se colhe. Em tudo na vida. A vida sempre nos devolve o que damos a ela.
M&M: Você é considerado um inovador de muita qualidade na nossa indústria. Na parceria que tem com o seu pai, vocês iniciaram a empresa praticamente juntos, você cuidando mais da parte administrativa e seu pai, da parte de fabricação. Como foi se dando a distribuição de tarefas?
Mauricio: Na verdade ajudei meu pai ali no comecinho. Sempre apoiei e de alguma forma estava sempre envolvido — diferente do meu irmão baterista, que queria só tocar mesmo. Então, cerca de um ano depois eu me envolvi de vez. Eu tinha apenas 21 anos, mas vi que aquilo tinha futuro e que meu pai precisava de mim. Ele ficava lá fabricando as baterias e criando máquinas e não tinha tempo para atender a galera, para fazer aquilo crescer. Eu vi algo de especial ali e isso me moveu a me envolver. Já cheguei e assumi as vendas, o marketing, o administrativo, e mesmo na produção eu ajudava também.
Montei tantas baterias… você não tem ideia. Ficava lá sentado no chão da garagem montando baterias o dia todo. Mas obviamente o mestre era meu pai. Era ele quem fabricava mesmo. Eu, o Alexandre e mesmo o meu irmão baterista (também Alexandre) dávamos ideias. Meu irmão tinha uma bateria importada, olhávamos para ela e víamos o que devíamos melhorar. Isso na produção.
Já no administrativo e financeiro fui criando padrões de trabalho, tabelas de encomendas (tudo em cadernos), controlando fluxo de caixa (em agendas) e tendo ideias para fazer a propaganda para que mais pessoas soubessem que tínhamos uma fábrica de baterias, criando anúncios etc. Com o passar do tempo fomos deixando a coisa mais profissional. Fotos bacanas, catálogos, anúncios em revistas e por aí vai. Quando começou a internet na época do BBS (DOS), eu já estava lá respondendo a e-mails. A Odery foi a primeira empresa do ramo de instrumentos musicais a ter um site. Fomos muito inovadores e marqueteiros. Isso está meio que em mim.
Já meu pai sempre quis ficar na produção. Números, computadores, essas coisas nunca foram a área dele. Ele é o cara de botar a mão na massa. De pensar como resolver problemas na produção, como construir uma máquina para facilitar determinado trabalho. Ele é o nosso Professor Pardal. Essa separação de tarefas aconteceu de forma natural e uma sempre somou à outra.
M&M: E o relacionamento entre vocês, como funciona? É ou tem sido difícil trabalhar com o pai na Odery, duas gerações diferentes talvez com pensamentos diferentes?
Mauricio: Boa pergunta! Foi mais difícil no começo. Tínhamos altas brigas e discussões, cada um com sua razão, mas sempre chegávamos a um acordo. Mas também sempre foi em busca de um bem maior, que era se expandir e ser o sonho dos bateristas, ser reconhecida como uma bateria de qualidade. Naquela época produtos brasileiros eram extremamente desvalorizados e sabíamos que poderíamos provar ser diferente, que no Brasil podíamos fazer algo de extrema qualidade e competir de igual para igual com as marcas de fora. Hoje a coisa se inverteu. Acho que sou mais pai do meu pai do que filho dele. Eu cuido de tudo para ele. Aí você vai ter que perguntar para ele como é trabalhar comigo!
M&M: Ambos continuam tão ativos na empresa, fazendo as mesmas coisas?
Mauricio: A empresa vai crescendo, o time aumentando e tendo a necessidade de braços e pernas direitos, né? Então isso mudou um pouco. Para meu pai não muito, pois o negócio dele é ficar na produção. Temos alguns produtos, como caixas de alumínio, aros de alumínio, caixas de madeira maciça, entre outros, por exemplo, em que só ele coloca a mão até chegar à montagem — dali para a frente outras pessoas cuidam. Ele está sempre dando manutenção em alguma coisa, tendo ideias de como melhorar uma máquina, correndo para resolver alguma coisa no dia a dia… enfim. E ele é aquele cara querido que todos querem conhecer, conversar, pedir um autógrafo, tirar fotos e tal. Então, sempre que o pessoal visita a Odery quer estar perto do Mr. Odery. Ele apresenta a empresa como ninguém! É a história de boa parte da vida dele…
Já o meu trabalho foi mudando naturalmente. Eu era muito centralizador, sempre querendo tudo exatamente do meu jeito — não que tenha mudado muito essa última parte! Foi difícil confiar a outras pessoas parte daquilo que somente eu sempre fazia. Aos trancos e barrancos fui deixando as coisas acontecerem e as pessoas certas tomarem conta de determinadas áreas, como o comercial e o marketing. Afinal, para crescer é necessário profissionalizar a gestão. Natural, né? Hoje eu sou mais o “diretor”, mas obviamente ainda me envolvo em tudo, principalmente no marketing, que é a área de que mais gosto, além do desenvolvimento dos produtos, desde os desenhos de cada peça, as configurações das baterias, acabamentos, visual, layout. Cuido da área internacional também e, de uma forma global, discutindo com os distribuidores, endorsees internacionais, pedidos e suporte geral. Tenho muito apoio da fábrica na China, onde somos muito além de parceiros. Somos sócios na distribuição na própria China e eu os ajudo muito na melhoria da produção e da qualidade das baterias.
M&M: Existe outro ponto interessante que é como você criou também a figura do seu pai, o Mr. Odery, uma figura lendária, de um carisma inigualável. Mr. Odery virou uma referência para o mercado. Como é que foi esse processo?
Mauricio: Eu não criei nada não… (risos). Meu pai é assim. Ele é esta figura descontraída, brincalhona, carismática, alegre e que sempre se doou para fazer o melhor. Ele nunca imaginou que chegaria aonde chegou e aonde ainda vai chegar. Hoje com 80 anos, ele é a mesmíssima pessoa que começou a Odery aos 54 anos. Humildade à flor da pele, um cara que pensa no bem dos outros, bondoso, carinhoso com todos. Então, penso que isso apenas se refletiu na imagem da Odery. A lenda que ele se tornou é totalmente mérito dele; sem ele, jamais teria feito absolutamente nada para que isso fosse assim. Ele apenas foi sempre ele mesmo. Eu apenas dei o impulso colocando o nome dele na bateria que fez com que ele se tornasse conhecido mundialmente.
M&M: Como foi a sua preparação, sua evolução para se tornar hoje CEO da empresa e um businessman de sucesso?
Mauricio: Foi com a vida mesmo. Enfiando as caras, sendo cara de pau, acreditando, seguindo minhas sensações e crenças, seguindo principalmente meu feeling. Estudei economia, mas parei no meio porque primeiro eu não tinha grana para poder terminar a faculdade, e segundo porque eu acreditava em mim, sabia que tinha “mão“ para aquilo e tudo foi acontecendo naturalmente. Deixei a teoria e fui para o play. Fui tendo mais envolvimento com o mundo do business e nunca foi problema para mim entender como as coisas funcionavam nesse mundo corporativo, assim como acompanhar as mudanças. Tem que estar conectado com o mundo atual sempre. Mas uma coisa chama a outra. As pessoas com quem você vai se envolvendo te dão bagagem para você crescer de forma orgânica, e eu também não paro quieto. Sou ligado no trifásico. Nunca estou satisfeito com como está. Sou focado em projetos e objetivos, e quando os alcanço, vamos para o próximo. Acho que isso tudo somado formou a pessoa que sou hoje… e vai formar a pessoa que serei amanhã.
M&M: Vocês saíram do nada, de uma garagem e se transformaram numa marca respeitada, inclusive para os concorrentes fora do País. Poderia falar sobre sua visão a respeito da construção de marca e de design de produto?
Mauricio: Em primeiro lugar, nunca ouvimos o que os outros — leia-se concorrentes — falavam a nosso respeito. Estávamos na nossa, fazendo o nosso trabalho e acreditando que seríamos os melhores. Não sei se você sabe, mas Odery é o primeiro nome do meu pai — as pessoas pensam que é nosso sobrenome. Engraçado que ele tem documentos registrados como “Oderi“ e também como “Odery”. Quando chegou a hora de ter uma marca de verdade, eu olhei para o nome do meu pai e pensei: “Cara, olha o nome dessa figura. Superdiferente, soa bem, nunca vi outra pessoa com este nome. Nada igual”. Aí não tive dúvida: ODERY!
E isso só nos deu mais força para trabalhar mais forte, para melhorar e melhorar para que as pessoas pudessem ter orgulho de uma marca brasileira. Afinal, leva o nome do meu pai, né?
Foi nessa época que criamos a logo também… e que segue intocável até hoje. Tem um slogan junto, foi criado um brasão, mas a logo central continua exatamente igual desde o início. Continua atual!
Esta foi meio que a história da marca. Hoje a mantemos de maneira muito forte por meio dos produtos de ponta e do nosso contato com o cliente final. Como as baterias Custom-Shop são vendidas somente por encomenda e diretamente ao consumidor, nosso contato com os bateristas enquanto marca é muito forte. Ninguém tem um trabalho igual no Brasil. Temos uma conexão e envolvimento muito especial com os bateristas.
Já sobre o design, no início não tínhamos nada nosso. Tudo era comprado. Ali na garagem do meu pai usávamos parafusos de afinação com cabeça sextavada. Tinha de afinar com chave de boca (risos). Era muito simples no começo. Era o que dava para fazer. Mas eu sempre via a necessidade de ter alguma coisa diferente. Tínhamos de ter uma identidade, uma coisa só nossa, que quando as pessoas olhassem já soubessem que se tratava de uma Odery. Mas isso custava muito. Custava caro poder desenvolver as peças, fabricar moldes e ter nosso próprio design. No início começamos fazendo peças torneadas em alumínio e latão, pois não havia a necessidade de fazer moldes, mas elas tinham um custo muito alto, pois eram fabricadas uma a uma, torneadas. Impraticável nos dias de hoje. Aí veio a evolução. Mais capitalizados, passamos a fazer moldes mesmo para ter uma coisa mais competitiva em custo, porém, sempre visando o visual, o design. Disso nunca abri mão.
Sou eu mesmo que desenho as peças. Hoje faço um rascunho no papel à mão, mostro para o meu pai, que prontamente pega um pedaço de madeira, alumínio ou outro material, vai lá, já torneia, corta, solda e me mostra: “É isso aqui?”. Obviamente que é um esboço do que será a peça no futuro. E não só das peças, né? É muito importante a questão das configurações, da composição das madeiras (cascos), assim como os acabamentos. Isso tudo é parte do design de um produto.
Fábrica no Brasil
Mundo afora
M&M: O que uma empresa deve levar em consideração para ir ao exterior e ter sucesso no mercado internacional?
Mauricio: As coisas mudaram muito de quando começamos a nos internacionalizar para os dias de hoje. A globalização e a acessibilidade digital ao mundo todo facilitaram e alinharam demais as coisas. Por outro lado, também a deixou mais competitiva e frágil. Hoje grandes empresas, de qualquer ramo, sofrem muito mais por qualquer passo errado. E empresas pequenas podem ganhar muito com passos assertivos, um pouco de sorte e fazendo as coisas certas.
Ir para o exterior deixou de ser uma coisa só física, como era anteriormente. Mas, para encarar o mundo lá fora, é necessário ter um produto bom, custo competitivo, coragem, persistência e resiliência. Também é necessário saber falar a língua do mundo corporativo. Nós, latinos, temos uma cultura mais aberta nos negócios. Lá fora o bicho pega. As pessoas não estão interessadas em papo furado. O papo existe, mas vem depois dos negócios. São diretos, querem as coisas corretas e não dá para errar duas vezes. As coisas têm que ser feitas com seriedade, os prazos cumpridos e a qualidade do produto ser a que você ofereceu e o cliente viu.
Tem também de estar presente nas feiras internacionais, investir em se mostrar e apresentar seus produtos. A soma dessas coisas é que determina o caminho que seu produto vai trilhar.
M&M: A Odery passou por diversas fases: era uma empresa que fabricava no Brasil e exportava apenas tambores custom, depois fez parceria com Saad e Beth Romano — que se transformaram em sócios. Como é essa sociedade?
Mauricio: Isso veio também de uma necessidade. Havíamos crescido muito como uma fábrica de baterias customizada e muita gente sonhava em ter uma Odery. Mas uma bateria feita à mão, sob encomenda e customizada não era para todo mundo. Quis então universalizar nossos produtos. Eu queria oferecer um produto que pudesse ser muito bom, mas que tivesse um custo acessível para aquele cara que está começando e que pesquisou e sonhava com uma Odery. Foi aí que iniciamos, em 2007, um projeto de baterias fabricadas em série. Mas fazer no Brasil não dava. Não tínhamos maquinário nem seríamos competitivos fabricando aqui. Então, o caminho era encontrar uma fábrica parceira fora do Brasil, mas também não tínhamos capital para isso. Tínhamos os desenhos e o projeto montado, e lá fui em busca de parceiros que acreditassem na gente e pudessem entrar nessa conosco. Já tínhamos suporte com alguns itens importados, como peles e aros de um importador de São Paulo, e uma amizade formada também. Foi então que propus a eles esta sociedade, em que fabricaríamos as baterias na China sob nossa supervisão, design, qualidade e conceito e importaríamos para vender no Brasil. Depois isso se expandiu para o mundo, exportando diretamente de nossa fábrica da China para outros países, assim como fazemos do Brasil. Tenho aqui que mostrar meu apreço por essas pessoas que acreditaram na gente e no nosso projeto. São elas o sr. Saad, a Beth Romano e o sr. Luis Gaj. Sem eles não estaríamos no patamar que estamos hoje. Nossa sociedade consistia primeiro em uma empresa apenas para este projeto de fabricar as baterias de linha fora do Brasil. Chamava-se Privilege Percussion. Mas com o andar das coisas vimos a necessidade de fundir a Odery Drums com a Privilege, transformando-a num projeto único no qual poderíamos focar e nos desenvolver melhor enquanto empresa. Nossa sociedade é maravilhosa e muito profissional, e os consideramos como da família. São pessoas queridas, especiais e importantes em nossa trajetória não só profissional, mas também pessoal.
M&M: Que parte dos produtos da Odery são feitos no Brasil e quais são feitos fora?
Hoje apenas as baterias Custom são fabricadas aqui. Todas as outras linhas são fabricadas fora. Mas tudo é desenvolvido aqui. Fabricamos os moldes e produzimos lá, mas o conceito, o design e tudo que envolve o produto é 100% brasileiro.
M&M: Seria interessante falar sobre a maneira em como você administra a empresa sob essa situação de parceria na China.
Mauricio: Muito tranquilo. É um relacionamento de 12 anos já. Temos participação na empresa na China e trabalhamos juntos a todo momento. Ajudo-os em produtos que querem fabricar para o mercado chinês e nos falamos todos os dias, sem exceção. Temos juntos também lá a Odery China (50%/50%), que é dedicada a atender as demandas do mercado chinês para a Odery. Aliás, temos vendido muito lá. Hoje, em quantidade de baterias, é nosso maior mercado mundial, maior que o Brasil até. Também já tivemos um colaborador nosso morando lá por quase um ano para cuidar de assuntos relativos à qualidade, ajudar na melhora de processos fabris de acordo com nossas experiências e também para desenvolver o mercado chinês. Todos os anos mandamos os nossos endorsees para fazer tours e eles têm o suporte imediato do nosso pessoal chinês da fábrica. Então, a parceria é muito forte, profissional e somos o foco para eles.
Fábrica na China
M&M: A Odery tem buscado distribuição direta nas lojas de baterias de todo o planeta, e em alguns países isso tem sido muito bem-sucedido. Fale um pouco sobre a exportação: quais foram as principais dificuldades?
Mauricio: Nossa estratégia internacional é cortar o distribuidor. Com isso, temos acesso direto a grandes lojas que têm poder de compra e que, sem a intermediação do distribuidor, conseguem ter muito mais margem em nossos produtos do que as grandes marcas que vendem no modelo tradicional via distribuição. Essa é uma forma que encontramos de ganhar espaço perante grandes marcas internacionais. Com uma margem melhor, o lojista (distribuidor) tem mais interesse em vender nossa marca do que outras. E isso tem dado certo. Mas funciona em alguns países/regiões. Em outros, não. Aí seguimos com o modelo tradicional mesmo.
As principais dificuldades foram, são e serão sempre as mesmas. A internacionalização é cara, é custosa, cada país tem sua peculiaridade, sua cultura, e muitas vezes necessita fazer adaptações, e isso também tem um custo. Tem de se investir em catálogos, mídias, site, promoção em inglês e em outras línguas. Tem de visitar, entender a cultura local. Entender que nem sempre é o que parece ser. Enfim, são muitas variáveis. É um novo mundo. Não basta ter um bom produto apenas.
M&M: Atualmente em quantos países a Odery está presente?
Mauricio: Temos distribuição mais forte em países como China (mais de 200 pontos de venda), Tailândia, Vietnã, Coreia do Sul, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Reino Unido (todos esses com importantes lojas ou rede de lojas), Espanha, Argentina e Estados Unidos (distribuição). Esses são os mais importantes, mas temos vendas esporádicas para vários outros países, como Alemanha, Itália, França, Bulgária, Malta, entre outros na Europa, assim como em países da América do Sul.
M&M: Como é o trabalho que a empresa está fazendo nos Estados Unidos?
Mauricio: Temos uma distribuidora que vende para as lojas. Atualmente são cerca de 30 pontos de venda, mas tenho conversado também no modelo direto com uma grande rede. Temos uma mídia social forte lá e vários artistas. Lá existe um trabalho mais estruturado, mas é um mercado loucamente competitivo, de margens apertadas e muito profissional. É o que é, e pronto. Sem tempo para perder. São negócios. Foco total nisso.
M&M: Falando sobre o exterior, como o câmbio do dólar afeta os negócios da empresa?
Mauricio: Nosso grande volume é dos produtos que importamos, pois temos também a Odery Imports, onde vendemos as baterias Carlsbro, acessórios e agora os novos pratos Bronz, lançados na última Music Show, então o dólar nos afeta fortemente.
Não tem muito que fazer. Temos de viver com a realidade que está aí. Já cansei de ficar desanimado ou de reclamar do Brasil. É nossa terra e é isso que temos, então vamos trabalhar com o que temos. Infelizmente sobra para quem compra na ponta, que paga mais caro. Mas o que mais atrapalha não é o dólar estar caro, e sim a grande flutuação da moeda. A variação deixa qualquer importador maluco, pois você não consegue compor o preço de venda e custo de maneira estável. Esse é o verdadeiro problema com relação ao câmbio. Se ficar caro mas estável, a gente se ajeita e trabalha com o que tem. O mercado não vai acabar. O consumidor não vai deixar de comprar. Pode esperar mais um tempo, mas ele vai em busca do sonho dele.
Outra coisa que atrapalha demais no Brasil é a guerra fiscal entre os estados. Isso tem criado um buraco enorme, com vantagens para determinadas empresas (revendedoras) e que as usam de forma errada. Em vez de abocanharem uma margem maior, elas acabam vendendo a preços baixos e criando um grande buraco no mercado. Momentaneamente elas estão se dando bem, mas não enxergam que no médio prazo isso prejudica todo o mercado do qual fazem parte. Então, correções nesse sentido também serão providenciadas do nosso lado. Temos que trabalhar para ter um mercado equilibrado e sustentável para o futuro de nossos produtos.
Na exportação, o dólar alto é obviamente bom. Tornamo-nos mais competitivos, porém muitos insumos são hoje importados e isso também afeta os custos. Veja a madeira, que é nossa principal matéria-prima, por exemplo. Com este dólar, as madeireiras preferem exportar a vender no mercado interno, então, para vender no mercado interno, elas sobem o preço. O dólar reflete em tudo. O agronegócio talvez seja onde ele realmente é interessante, mas um dólar muito alto aumenta nossos custos. Prefiro um dólar equilibrado e estável, mas isso não sou que defino, né? Como disse, vamos trabalhar com o que temos e não reclamar. Pensar positivo e para a frente.
Mais Odery
M&M: Você saía literalmente com a bateria nas costas, ia para a Alemanha vender caixas. Como foi esse começo? Estava preparado para isso?
Mauricio: Totalmente sem preparo, mas com muita vontade e acreditando sempre. Tinha um inglês básico de escola pública. Na verdade, em 2000 eu falei para o meu pai: “Pai, a gente tem que exportar nossas baterias. Temos uma superqualidade e temos que ir para fora. Vou para a feira da Alemanha”. Aí foi a vez de o meu pai dizer: “Você está louco? Você nem fala inglês!”. Era verdade… falava quase nada, mas estudei focado durante alguns meses e fui com a cara e a coragem. Levei comigo uma bag comprida com quatro caixas dentro e duas malas gigantes — hoje viajo com uma pequenina (risos). De lá ainda fui para a Áustria encontrar um baterista brasileiro que mora até hoje em Viena e que tocava com a Odery — e então na data parti para a feira. Passei um grande apuro quando cheguei lá, pois a pessoa que eu iria encontrar e que estava me ajudando simplesmente me deixou na mão, perdido lá. Foi uma grande aventura, mas que conto em outra oportunidade.
Eu também havia enviado uma bateria para este baterista de Viena (Fernando Paiva) e no fim acabei expondo essa bateria (por muita sorte — eu disse anteriormente que precisava de um pouco, né?) no estande do distribuidor da Bauer (fica aqui meu agradecimento ao Ricardo, da Bauer) e saiu uma bela foto dela na revista Modern Drummer. Foi a primeira vez que aparecemos na MD americana — ícone das publicações na época. Durante a feira eu estava caminhando com minha bag pesadíssima e entrei num estande de baqueta. Foi então que um senhor japonês me perguntou o que era aquilo. Eu disse que eram umas caixas que eu fabricava no Brasil e ele pediu para ver. Quando tirei as caixas, ele foi olhando e falou: “Me manda duas desta, duas desta, duas desta e três desta!”. Foi a coisa mais inesperada e louca que me aconteceu. E essa foi nossa primeira exportação: caixas customizadas para o Japão.
Então, a partir de 2002 nos tornamos expositores na Musikmesse na Alemanha e em 2003 na NAMM nos Estados Unidos. Montávamos estande juntos com a Orion. Na verdade, comprávamos nosso espaço como vizinhos e montávamos um estande maior, o que trazia uma cara mais profissional. Quem cuidava das exportações da Orion era o Jean-Philippe Borra, que se tornou um grande amigo e que contribuiu muito com minhas experiências em comércio exterior. Até hoje ajuda! A partir de 2013 passamos também a expor na Music China e foi quando nossas vendas lá começaram a fluir.
M&M: E como você está agora?
Mauricio: Agora entendo mais de comércio exterior do que um formando! A gente vive muitas situações na prática importando, exportando, visitando países, fazendo feiras, eventos, negociando, produzindo, enfrentando problemas e tendo sucessos também. Isso tudo contribui com uma formação muito forte. Te dá uma bagagem enorme para entender como todo esse universo corporativo internacional funciona. Agora podemos dizer que sou um cara sênior nisso. Tiro de letra!
M&M: Para onde você e a empresa irão?
Mauricio: O internacional vem sendo trabalhado para conquistar novos mercados e nos solidificar onde já estamos presentes. Isso não depende só da gente, mas de todo um ecossistema que gira em torno disso. Depende de políticas cambiais, protetivas e econômicas de cada país ou grupos de países.
Em alguns países sente-se uma redução de baterias acústicas diante de um aumento das eletrônicas, mas existem casos inversos também, então temos de estar atentos e procurar atender as demandas de cada país perante todas as incertezas que giram em torno desse ecossistema. Mercado tem em todo lugar e a estratégia correta com preço, produto e qualidade é o que determina se vamos conseguir entrar naquele determinado país ou não. Nosso objetivo é crescer organicamente. Passo a passo para ser de maneira sólida.
Já no Brasil a coisa tem sido bem complexa. Temos vindo de anos em crise política e econômica, e de um encolhimento do mercado em geral, mas a ideia não deixa de ser a mesma: desenvolver e lançar novos produtos (temos dois novos em fase final para 2020), aumentar o market share e seguir forte na liderança de mercado dentro da nossa faixa de preço-concorrentes.
Para finalizar, quero agradecer a oportunidade pelo espaço. Também não poderia deixar de agradecer a todo o meu time, que chamamos carinhosamente de Odery Brazil Team, assim como minha família, que nos ajudou a construir essa história. Não só aqueles mais próximos e mais “braços direitos e esquerdos”, mas todos aqueles que passaram pela Odery e que um dia contribuíram mesmo com o mínimo. Agradecer em especial aos atuais colaboradores. São estes os verdadeiros responsáveis pelo que a Odery é hoje como empresa, marca e família.
Mais informações no site da Odery, da Odery Imports, da Bronz e no perfil no Facebook.