Vídeo review do sintetizador BOSS GP-10. Acreditem: muito mais do que aparenta.
O nome Roland se associa naturalmente ao desenvolvimento da guitarra como sintetizador e, através da marca-irmã Boss, alguns anos atrás passou a lançar novos produtos que facilitam o uso do instrumento como trigger MIDI.
Cada vez mais compactos, os aparelhos estão agora na forma de stomp boxes – ou pedais, como conhecidos no Brasil – e os desavisados podem confundi-los com simples pedais de efeito.
O fato de apresentarem a logo Boss, conhecida pela alta qualidade de seus pedais de efeito, reforça este engano, e como usuário de longa data dos produtos Roland e Boss, me sinto contente em ajudar a esclarecer o que de fato são estes novos equipamentos que agora se apresentam ao mercado.
Ao longo do tempo, existiram diversas maneiras de disparar sons não ‘guitarrísticos’ e a própria história dos sintetizadores para guitarra – ou violões eletrificados – se encarregou de escolher duas principais: através do uso de captadores MIDI de seis canais, ou através de capturas de frequências das notas e sua comparação com um banco de notas MIDI, a grosso modo.
A diferença é significativa, pois a primeira opção demanda o uso de mais um dispositivo – o captador hexafônico (ou de 6 canais), enquanto a segunda permite usar a saída de áudio de uma guitarra ou até mesmo outros sinais de áudio para a conversão em linguagem MIDI. A latência, grande inimiga da execução na guitarra, é sempre considerada em ambos os casos.
A modelagem COSM da Roland
O sistema de modelagem sonora da Roland, o COSM – Composite Object Sound Modeling – de que o GP-10 faz uso, foi desenvolvido desde o V-Guitar System e seu aparelho VG-8 em 1995, revolucionando o cenário da guitarra MIDI.
O COSM começa recriando as características de timbre de guitarras ou violões ou usando o processo chamado HRM para criar novos timbres, continua mudando as alturas ou as duplicando e possibilitando alterar afinações sem mexer nas cravelhas, e segue emulando o sinal de áudio passado por diversos tipos de amplificação, e também de efeitos.
A evolução do sistema seguiu com o Roland GR-55 e o VG-99, segue adiante no GP-10, e promete vida longa e próspera.
Podemos separar a COSM em algumas partes:
- Modelagem eletrônica: análise e simulação dos circuitos eletrônicos, comportamento de válvulas, transistores e outros componentes.
- Modelagem magnética (VGM): análise e simulação dos componentes eletromagnéticos como captadores, transformadores de amplificador, alto-falantes e outros componentes.
- Modelagem física: análise e simulação dos materiais com os quais são construídos instrumentos e gabinetes de amplificadores, como madeiras, metais e acabamento.
- Modelagem de reestruturação harmônica (HRM): análise e simulação das vibrações principais e secundárias das cordas de guitarras e outros instrumentos de cordas.
Esta última forma de modelagem parece resolver mais de um obstáculo no caminho da simulação do sinal de áudio da guitarra. Além de moldar sonoridades não ‘guitarrísticas’ e as adequar à execução na guitarra, vislumbra a fronteira final da captação: a complexa modelagem dos 4 movimentos vibratórios de uma corda ao ser tocada.
Diferentemente dos sons originados por percussão e sopros, uma corda vibra ao longo de sua extensão, longitudinalmente, transversalmente e por torsão. A execução via bending, hammer-on, pull-off, tapping e outras técnicas extremamente pessoais não poderia ser simulada sem a análise do que ocorre com uma corda fixa entre dois pontos, e muito menos se um destes pontos varia como no uso da alavanca, para ficar em um só exemplo.
O irmão menor do VG-99
O GP-10 tem boa parte das funcionalidades do seu irmão mais velho – em idade e recursos – o VG-99, que traz na sua grande cara do tamanho de 5 unidades de rack recursos como um “Theremin virtual” – o D-Beam, e o Ribbon Controller, 3 processadores, sendo capaz de disparar dois timbres simultâneos, saída para uma enorme pedaleira de controle (FC-300) e vários outros recursos, com destaque para as portas MIDI IN e OUT. Talvez seja pelo fato da modelagem COSM no GP-10 lidar menos com MIDI do que com o próprio som da guitarra, não tenha sido incluída uma saída MIDI.
Toda a comunicação MIDI é feita via USB. Para extrair informação MIDI é preciso usar uma interface, já que a saída MIDI-USB não é class-compliant.
Olhando de cima, vemos 2 pedais menores usados obviamente para escolher os timbres, mas que podem ser configurados para controlar efeitos, e um pedal maior de expressão. Há saída e entrada para guitarra, saída principal e de fones, entrada para mais um pedal de expressão, entrada auxiliar e a saída USB trabalha com áudio e MIDI com drivers para Windows e OS X. Para usar o aplicativo – o Boss Tone Studio – é preciso que o aparelho esteja conectado ao computador, para onde se podem usar vários caminhos de roteamento USB, como gravar as cordas separadamente, com ou sem efeitos e/ou modelagens, e usar outros recursos de DAW para processar o sinal enviado e recebido de volta ao GP-10, via DAWs.
A bordo do GP-10 temos 4 compressores/equalizadores, 7 moduladores, 3 pitch shifters, 21 overdrives e distorções e 10 delays, todos com a já conhecida qualidade Boss. Tem também na modelagem, herdada da tradição e competência Roland, 12 guitarras elétricas e 9 violões (inclusive banjo, sitar e dobro), 3 baixos e 8 sintetizadores. Na compra, há a opção de se adquirir junto o captador hexafônico GK-3 ou não, mas algumas possibilidades não são possíveis com outros captadores alternativos que não sejam os piezo-elétricos de seis canais, que já vêm instalados tanto em guitarras Roland/Fender como a G-5, quanto em marcas como as Godin LGXT ou Carvin SH-575, ou a marca brasileira Caimbé, que fabrica guitarras e violões com captadores hexa via cabo de 13 pinos padrão.
Video review em estúdio
A Gravadora e Produtora Jardim Elétrico mantém um bem equipado estúdio na Serra Gaúcha, onde foram realizados os testes práticos com o GP-10 pelo guitarrista Marcos Trubian, que explorou durante alguns dias as possibilidades do aparelho em si mesmo, sem a utilização do aplicativo que o acompanha – o Boss Tone Studio – disponível para as plataformas Windows e OS X. Para os testes Marcos se utilizou ainda de um pedal de loop da Boss, o RC-3, explorando camadas de timbres criados com a modelagem COSM. Foram emulados os principais pontos da cadeia de sinal, desde a escolha do instrumento, sua amplificação, efeitos e afinação em 7 exemplos demonstrados em vídeos realizados na Sala A do estúdio.
Trubian usou uma Fender Strato com captadores originais (Fender Japan), corpo em Malagoli e braço da Fender Japan, plugada no GP-10 e RC-3, e amplificado por um Line 6 Premier Pod HD Backline, por sua vez captado por um Sennheiser MD 421. Eis os timbres trabalhados:
- Guitar: ES-335 + Twin Reverb, TS e 12 cordas (opcionais)
- Bass: Precision Bass + Clean Bass Amp, 12 cordas e Phaser (opcionais)
- Synth: GR 300 + Amp Full Range, Delay e Pitch Shifter (opcionais)
- Sitar: Sitar + Amp Full Range, Afinação em Ré Modal e 12 cordas (opcionais)
- Space: Space + Amp Full Range, Delay e T.Wah (opcionais)
- Funky: ES-335 + Amp Twin Reverb, Mutron Bi Phase + Vox Wah Wah (opcionais)
- Fusion: Les Paul + Amp + Pro Crunch, RAT + Chorus (opcionais)
O vídeo mostra ainda a construção interna do GP-10, analisado pelo luthier e especialista em eletrônica Gustavo Trubian, que abriu o aparelho para verificar seus componentes. Uma caixa de aço sólida protege as placas internas, confeccionadas roboticamente, onde se destaca o processador com código de barras e logo da Roland. Dois dutos para parafusos ficam estrategicamente colocados à esquerda e direita do centro da caixa, e servem como reforço para o caso de alguma forte pancada no centro do GP-10 em qualquer das faces superior ou inferior.
O aproveitamento de espaço é total, mostrando a tendência a termos o quesito miniaturização em constante evolução nos aparelhos da família Boss / Roland e nos dispositivos do tipo stomp box em geral.
BOSS Tone Studio
Cada aparelho Boss tem sua versão do app BTS – Boss Tone Studio, que o permite ser configurado de maneira muito mais confortável do que no pequeno display de 2 linhas no GP-10. Depois da óbvia instalação do driver, o BTS deve ser instalado e funciona, como mencionei anteriormente, quando o dispositivo está conectado a computador.
Usei um iMac com OS X 10.10 (Yosemite), mas já existe uma versão de driver para o OS X 10.11 (El Captain), e a partir do Windows 10 não há necessidade de driver. Recomendo seguir à risca as instruções para instalar o driver (inclusive nos Win 7 e 8), pois um simples descuido ao deixar portas USB com dispositivos plugados – fora mouse e teclado – pode impedir o processo. O BTS acessa o Boss Tone Central, onde estão à disposição outras funcionalidades online.
Ao abrir o BTS, chama de imediato a atenção a janela maior inferior, onde são mostrados a fonte e/ou o tipo de instrumento/sintetizador/FX a ser configurado, com duas opções de visualização, uma simples e outra caprichosamente detalhada. Logo abaixo interage com ela a segunda maior janela onde se podem escolher os efeitos, afinação, bend e o USB ROUTING.
Uma lista dos timbres fica à esquerda, dividida em EDITOR ou LIBRARIAN, onde em último lugar embaixo fica o link para o Tone Central, que pode demorar um pouco para ser acessado. No menu superior fica o nome do timbre, seguido do PATCH LEVEL e do TEMPO. E o menu inferior tem um TUNER, PLAY (um player), configurações em SYSTEM e ajustes do GK SETTING.
No BTS há 6 espécies de roteamento do sinal: Standard, Mix, Dry-Guitar, Re-Guitar/Amp I, Re-Guitar/Amp II e Direct Off que dão as opções de roteamento da guitarra para as configurações do GK, modelagem, afinação, cadeia de efeitos FX e chegada ao computador. Pode-se editar um patch, efeito, fazer backup de toda uma livraria, e criar, editar, exportar, importar, salvar e fazer backups dos chamados Livesets.
No Boss Tone Central se tem acesso a Livesets para download, escolhidos por tags. Como um complemento esperto, há também um player no Boss Tone Studio no qual você pode manusear arquivos wave estéreo de 44.1 kHz/16 bits, inclusive mudando o andamento e altura para fins didáticos, por exemplo, além de rotear os sinais de áudio e MIDI.
Quase todos os comandos podem ser ligados e desligados, sendo que quando acionados mostram um led vermelho. As opções de roteamento (USB ROUTING), TUNER, PLAY, SYSTEM E GK SETTING abrem janelas exclusivas separadamente. Cada efeito pode ser ajustado por um grande fader na janela principal, ou diretamente em caixas de diálogo para cada parâmetro, colocadas estrategicamente ao lado do fader, que por sua vez mostra uma linha ligada a knobs giratórios que também podem ser os modificadores de parâmetros.
Temos assim 3 maneiras de configurar – fader, knobs e caixas de diálogo – o que encerra definitivamente a dificuldade de editar tantos ajustes no pequeno display do GP-10, ainda que seja possível fazer todas estas configurações via display.
Conclusão
Temos um equipamento que atende às necessidades dos guitarristas que pretendem ingressar no mundo do sintetizador, sem deixar de ter simultaneamente uma grande quantidades de efeitos. Seja para se iniciar na modelagem COSM emulando instrumentos de cordas, tipos de amplificadores ou simplesmente usando um forte processador de efeitos, o aparelho não decepciona.
Se avaliarmos pelo conceito custo-benefício, também não ficaremos desapontados, e a curva de aprendizagem é bem facilitada pelo aplicativo, que ainda abre caminhos para armazenamento e troca de timbres – os Livesets – online. Se você é um guitarrista com apetite para degustar além da guitarra, com o GP-10 tem a faca e o queijo na mão…
Ficha Técnica
- Guitarristas: Marcos Trubian e Saulo van der Ley
- Técnico de Gravação: Marcos Mangoni
- Técnico de Eletrônica: Gustavo Trubian
- Assistente Geral: Julio De Cezaro
- Filmagem & Edição: Sérgio Dieter