O texto publicado na Música & Mercado nesta 2a feira (5 de julho), sobre o movimento das lojas contra a venda direta de fornecedores, me trouxe diversos telefonemas de lojas de todo o Brasil.
Desta forma, para facilitar, vou colocar aqui minha posição sobre o que tenho visto no mercado internacional e nacional no mercado da música.
Já alguns anos escrevo nos editoriais da Música & Mercado sobre a mudança no varejo, tendências de digitalização e mesmo o que vem ocorrendo no mercado internacional na distribuição de instrumentos musicais e áudio profissional.
Aviso: não tenho a pretensão neste texto de dizer o que você, lojista de áudio e instrumentos musicais, tem que fazer, estou apenas colocando o que tenho visto ao longo da experiência com a Música & Mercado no Brasil e no exterior. Só para deixar claro.
Para começar, a realidade. Sim, um número crescente de marcas atendendo direto ao consumidor. Marcas como Fender, Gibson, Roland, Harman, Shure, Sennheiser, Steinway entre outras estão ampliando suas vendas imediatamente ao consumidor.
No Brasil, importadores com marcas próprias ou internacionais, fabricantes e até representantes comerciais estão abrindo suas lojas. Algumas visíveis e claras a todos, outras não.
Em instrumentos musicais e áudio, países como a Argentina, Chile, Mexico, países Europeus, Japão já praticavam um modelo D2C (Direct to Consumer / Direto para o Consumidor) ou B2B2C há muitos anos. Este modelo só está se intensificando no Brasil e… não tem volta.
Mas vamos adiante, marcas de fora de segmento musical também tem vendido diretamente. Basta ver os açougues de carnes da Swift (grupo JBS), Apple, Brastemp, entre tantos outros famosos e menos famosos.
Acho que para entendermos melhor, vamos buscar as razões para as marcas ou distribuidores entrarem neste jogo.
Aumento do número de marcas
Com a China e demais países asiáticos fabricando e desenvolvendo suas marcas próprias, a competição está acirrada. Para manterem-se competitivas, marcas precisam inovar e lançar produtos.
Mix de produtos empacados
Nem todo varejo absorve a compra da quantidade de lançamentos disponíveis, seja por preço ou por nicho específico. A venda online do fornecedor ao consumidor acaba beneficiando músico que buscava por alguma especificidade.
Investimento x demanda
Por contrato, fabricantes pressionam distribuidores para comprar seus lançamentos e maiores quantidades anualmente. Em momentos de crise, naturalmente o varejo escolhe a compra da curva A e diminui o risco em novos produtos. Esta vazão está sendo compensada pela venda direta.
Quais pontos que pegam?
Ao meu ver, o principal ponto que leva a desconfiança na relação varejo e fornecedor parte da falta de entendimento. Veja: o varejo precisa entender que o sistema de venda e distribuição não será como antes, não tem como ser. O mundo não é tão fechado como era e se o fornecedor não abrir seus canais, suas marcas tendem a ser engolidas pelas que ampliam a aquisição.
Outra reclamação comum pelos varejistas fala sobre o nível de preço que as empresas fornecedores que estão praticando venda direta fazem. Temos aqui quatro casos distintos.
1- Valores iguais ou maiores que as lojas
As fornecedores com lojas próprias que praticam um valor igual ou maior que o varejo tradicional tem sido o padrão internacional. Para muitos lojistas isto induz o raciocínio de “É claro que o consumidor irá preferir uma loja oficial ao invés da minha loja”. Minha posição: depende. Depende de como sua loja oferece o mix de produtos complementares, segurança e velocidade na entrega, avaliação e pontuação como loja do Google entre outros.
Alguns lojistas ainda reclamam das penitencias que as marcas estão dando para quem pratica fora do preço mínimo sugerido. Ao meu ver isto é uma condição comercial que esta sendo cada vez mais praticada. Uma batalha perdida entrar nesta briga, aconselho a conversar com seu fornecedor a evitar que seu estoque fique parado. Caso não tenha o que fazer, decida se este produto é bom para ser vendido por você ou não.
2 – Valores menores que as lojas
Fornecedores que entram para competir com o preço menor do que seus varejistas estão criando um tumulto desnecessário. Cabe aos lojistas e aos fornecedores repensar se isto é positivo.
3- Produtos iguais, códigos diferentes
Empresas habituadas a vender para magazines não pararão de vender. Algumas criam produtos similares com nomes e códigos diferentes. Ao lojista cabe avaliar a parte técnica comparativa do produto/modelo e se ele consegue competir com um magazine, a partir disto, definir ou não sua compra.
4- Parcerias de marcas e lojas em marketplaces
Esta é uma tendência também. No Brasil, alguns casos começaram a aparecer, como no caso da Di Giorgio, Rozini ou Liverpool. Um lojista propôs ao fornecedor atender toda a linha, respeitar os preços e foi licenciada o uso da marca oficial. Você pode me perguntar “Mas porque isto não foi oferecido a mim?” Creio que foi mais um insight do lojista do que da própria marca. Aumente seu território virtual.
Outras modalidades similares podem ser aproveitadas como ser Revendedor Autorizado da marca X ou Y, isto confere o mesmo prestígio e segurança ao consumidor.
A encruzilhada das lojas tradicionalistas
As lojas tradicionalistas, que evitam o ‘novo normal do varejo’ estão numa encruzilhada e a solução não é o anacronismo e lutar por um passado que não existe mais, mas encarar sua transformação. Qual transformação? Primeiro, compreender que é necessário pensar na ampliação do seu território de comercial e isto se dá pela digitalização do negócio.
Muitas lojas estão tendo suas vendas desidratadas não necessariamente pela loja oficial do fornecedor, mas por não observar que:
- O consumidor mudou
- Oferta excessiva de produtos no território digital
- Lojistas nativos online que dominam a comunicação e precificação (vendem mais, ganham menos)
- Marketplaces como Mercado Livre e B2W vendendo produtos diretamente da China para o Brasil
- AliExpress e outros marketplaces chineses entregando em sete dias no Brasil
O consumidor não é o mesmo
A base da pirâmide de consumo, formada majoritariamente por jovens já escolhem e compram digitalmente. Estes dias, um lojista num grupo de WhatsApp da Música & Mercado escreveu que uma transportadora parou na frente da loja dele e o entregador, com UM violão na mão foi até o prédio vizinho. Veja, mesmo a loja sendo vizinha, não se pode contar com a pseudo lealdade do consumidor. “Ah mas eu tenho clientes que preferem vir aqui comprar”, você pode me dizer. Não tenho dúvida que isto é excelente, mas faça a conta de quantos preferem não sair das suas casas e compram no local que tem o preço correto, entrega rápida e atendimento virtual humanizado.
Mais uma vez: não tenho a pretensão neste texto de dizer o que você, lojista de áudio e instrumentos musicais, tem que fazer, estou apenas colocando o que tenho visto ao longo da experiência com a Música & Mercado no Brasil e no exterior.
Mas e os fornecedores vendendo direto?
Pelo panorama já desenhado, e como disse antes, entendo que a maior parte dos fornecedores irão vender também direto – não SOMENTE direto. As empresas em todo o planeta tendem a trabalhar com os seguintes modelos:
- Venda para o varejo na forma tradicional;
- Venda para o varejo por Dropshipping;
- Venda direta;
E há empresas que mudaram seu sistema para D2C (Direto ao Consumidor) pois não estarem conseguindo obter no varejo a fonte para seu sustento.
Isto vai acabar com as lojas?
Acho que irei me posicionar de uma forma dura, mas vamos lá. Quem irá acabar com as lojas são os lojistas que tentarem permanecer em um mundo offline e sem compreender o contexto de negócio ao qual estão inserido agora.
Você, lojista, não irá conseguir parar o desenvolvimento da tecnologia, do 5G, o desenvolvimento de apps, a globalização, o acesso ao preço, informação do cliente, além do modo de compra do novo consumidor – que já nasce digital.
Sem contar que muito menos conseguirá parar o desenvolvimento do sistema logístico, fazendo o produto chegar no dia ou muito rápido no cliente.
Partindo deste princípio, que você já está atualizado e ambientado com o ‘novo normal do varejo’, é hora de compreender as vantagens e desvantagens que você terá com cada fornecedor a partir da linha de clareza e política comercial das empresas que você compra.
Você não irá mudar os outros, mas pode mudar a si mesmo
Para estabelecer uma franqueza, escrevo o que tenho visto globalmente, não me proponho neste texto fazer um guia da salvação, mas posso ajudá-lo a compreender melhor o panorama. Desta forma minhas sugestões para o varejo de áudio e instrumentos musicais são:
- Entenda que seu ‘inimigo’ não é aquele que você vê, mas o que age silenciosamente (entenda-se a venda direto da China por parte do AliExpress, Mercado Livre, B2W etc);
- Reveja seus preços e níveis de desconto baseados no panorama da internet. Nota: se você endurecer aqui, perdará clientes sem saber;
- Analise quais produtos vão maior lucro considerando também seu giro na loja;
- Conheça as intenções dos seus fornecedores, exija uma politica clara sobre o ‘novo normal’ da empresa dele. Não o incite para uma resposta enganosa;
- Baseado nestas respostas, selecione seus produtos;
Presente ou Futuro próximo
Você ainda pode ser privilegiado ao estar numa região em que as compras ainda estão sendo feitas na rua e ouvir “Ah! Eu adoro vir a loja para comprar”. Mas não se engane, preste atenção na idade deste cliente que foi até aí e veja se você não está perdendo o acesso aos clientes jovens.
A pirâmide de consumo do mercado musical é achatada, jovens de 14 a 21 anos são a maior parte dos consumidores. Avalie: será que um menino que quer aprender a tocar um instrumento chega para seu pai e pede para ele ir a uma loja ou será que ele já chega com o produto no celular dele, indicando qual, o preço, quantas parcelas e quando chega? Reflita. A loja está no bolso do cliente, no seu celular, não no seu belo ponto comercial.
Será que o jovem quer esperar até o fim de semana, quando seus pais podem levá-lo a uma loja física ou ele preferirá comprar on line receber no mesmo dia ou no dia seguinte?
Produtos profissionais tendem a ser escolhidos em loja física, produtos econômicos são commodities, podem ser comprados em qualquer lugar com o interesse somente no menor preço. Se sua loja estiver baseada em produtos econômicos e não tiver um diferencial real, além do preço, o ambiente, funcionários legais etc é uma questão de tempo você ser apenas um ponto de conveniência, como se fosse aqueles de posto de gasolina, tipo “já que passei por aqui, vou ver se compro uma Coca Cola”.
O lojista que viverá daqui pra diante entende que se vende em todos os Estados, busca clientes em todas as cidades, está em todas as plataformas de comercio eletrônico. Ele pode optar em preservar seu modelo de negócio tradicional, atendendo majoritariamente a região, mas o cliente não está nem aí para isto.
O preço de venda só está quase sob o seu controle se você for dono de uma marca própria, a loja ganhará pela compra inteligente, e lucrará pelo giro.
Venda de usados
Quer trazer mais clientes para sua loja física? Compre e venda instrumentos musicais e áudio usados, isto aumentará o tráfego de pessoas buscando oportunidades e você tem mais maleabilidade na compra.
Outra modalidade que tem sido muito utilizada nos Estados Unidos e Europa são instrumentos para aluguel. O sistema é o mesmo de um aluguel de carro. Alugue um automóvel, veja como é o contrato, estude esta possibilidade.
E por fim
Quero lembrar uma coisa: neste meio tempo, três aviões carregados de acessórios e instrumento, iluminação e mesas de som pequenas pousaram no Brasil para atender seus clientes e de outras 1000 categorias de produtos. O novo normal das lojas é competitivo e digital. Você pode sim reclamar, mas antes de tudo, pense no ‘novo normal do varejo’ e reflita se você quer voltar aos anos 90 (que é impossível) ou está apto as mudanças sobre aquilo não tem controle.
Sinceramente, meus amigos, o varejo físico não morrerá desde que seus proprietários entendam que ser digital e estar atualizado com o sistema logístico em todo território não é uma opção: é obrigação.
Por fim, minha sincera opinião é quem as lojas devem buscar a REAL transparência da política comercial de seu seus fornecedores e desta forma definir o que é melhor ou não para cada um.
A exposição deste assunto na Música & Mercado foi para levantar esta importante questão: política transparente e a realidade no ‘novo normal do varejo’. A política do ‘me engana que eu gosto’ não cabe mais num mundo digital.
Gastem energia com aquilo que transforma você e seu negócio, este é o caminho do presente e futuro, não do passado. Afinal, você quer ser Uber ou Taxi?
Artigos de referência