Na contramão do mercado, o estúdio Audio Porto, em Porto Alegre, investe e aposta em tecnologia de ponta
Dez anos atrás se iniciou a fabricação de um novo conceito de estúdio de gravação no Brasil, mais exatamente em Porto Alegre, criando um novo porto para o áudio e a música, nascido na antiga estrutura de uma fábrica que mudou o seu futuro.
Nesta entrevista, o CEO do estúdio Audio Porto e Fábrica do Futuro – Rafael Hauck – conta como foi a gestação e nascimento da iniciativa, e a direção que está tomando na sua segunda década de vida, abraçando novos parâmetros de tecnologia como o Dolby ATMOS.
Música & Mercado – Você está à frente do projeto que envolve o estúdio Audio Porto e a Fábrica do Futuro, no mesmo local e bem delineadas no espaço e atividades. Como foi o nascimento da ideia de juntar estúdio e Fábrica? Nasceram juntos ou houve uma adaptação natural?
Rafael Hauck – O início de tudo foi o estúdio Caverna Mix, que eu montei onde hoje é a entrada técnica do Audio Porto, lá em 2005. Muita gente da cena musical do estado gravou lá. Em 2008 surgiu a idéia de reaproveitar o resto dos antigos prédios da fábrica de enfeites de natal Wanda Hauck, que a família começou a construir em 1942 e criar um grande centro coletivo ligado à produção audiovisual e à cultura. Nessa época eu conheci um grande amigo e mentor, o Carlão, da Visom Digital.
Também em 2008 me mudei para Londres e esse projeto acabou sendo retomado por mim e pelo meu irmão Francisco Hauck. Entre 2012 e 2016 construímos as bases do que hoje é o estúdio do Audio Porto e fizemos uma pré inauguração. A partir dali passamos a adotar outro nome e posicionamento para esse empreendimento e surgiu, em homenagem à antiga fábrica de enfeites de natal, a Fábrica do Futuro.
Por um ano, antes da pandemia, tivemos as duas estruturas ainda mais divididas no dia-a-dia e nos propósitos, mas com minha chegada como CEO no início de 2020 e com a crise global que chegou quase que no mesmo momento, foi necessário unificar ao máximo as estratégias, os produtos e as equipes.
M&M – Como foi sua formação musical e de áudio? Hoje existe um consenso de que as atividades técnicas de música e de áudio caminham lado a lado, descreva resumidamente como você trilhou este caminho duplo.
RH – Na cultura da família da minha mãe sempre houve o elemento da música e dos instrumentos musicais. Acabei me interessando mais pelo violão na igreja que frequentávamos na época dos meus 12 anos de idade. Com 15 preparei uma sala de ensaio em cima da nossa garagem e com 17 gravei com uma banda que tínhamos eu e meus irmãos e nesta oportunidade me apaixonei pelo ambiente de produção musical e fonográfica. Aos 19 comecei a trabalhar como técnico assistente e com 6 meses de trabalho gravei o single Folha de Bananeira, do artista Armandinho. Segui trabalhando em estúdio e como técnico de P.A. por mais 7 anos e em 2008 ocorreu a mudança para Londres.
Lá estudei na S.A.E. e fiz meu diploma de Bacharelado em Produção de Áudio. Aproveitei também para atuar como produtor técnico de eventos como o Brazilian Day London e turnês como a de Bruno e Marrone pela Europa e tive a oportunidade de trabalhar com Chris Roberts, na Soundlock Engineering, quando conheci de perto a arquitetura tecnológica e a sonoridade de alguns dos melhores e dos mais clássicos equipamentos como Neve, SSL, Telefunken, Neumann, AKG, Manley, MCI, Studer, entre muitos outros.
M&M – O Audio Porto dá um enfoque significativo aos equipamentos e instrumentos vintage, ao mesmo tempo em que não descuida da tecnologia de ponta, como a recente criação da sala Dolby ATMOS, como concilia estes 2 mundos?
RH – A vibe de captação, a vida e a sonoridade que trazem para o som os equipamentos mais antigos mantidos em perfeito estado de manutenção gera uma naturalidade na reprodução da performance gravada.
Esses componentes antigos e o modo diferente que a indústria pensava seus produtos traziam tanto essa robustez sonora, como essa oscilação eletrônica que psico-acusticamente agrada ao ser humano, que sente na gravação feita com esses equipamentos mais antigos variações semelhantes às que se escuta naturalmente em um ambiente onde músicos e ouvintes compartilham o mesmo espaço e tempo, tocando e ouvindo o som na “vida real” dentro de uma mesma ambiência.
Essa é uma característica que os plugins buscam recriar atualmente com programações que simulam essas características.
Mas mesmo nesses casos, em que esses equipamentos mais antigos agregam da melhor forma possível essas características agradáveis de uma performance realista em uma gravação, os equipamentos modernos são um complemento fundamental em diversos outros pontos do processo. Na conversão de sinais analógicos para informação digital, por exemplo, os equipamentos modernos são muito mais precisos e acabam retratando ainda melhor essas nuances dos vintage.
Na tecnologia de alto falantes, na amplificação de som para os monitores de referência ou mesmo no processamento de masterização nos dias de hoje, monitores de áudio como os PMC MB2-XBD, os diversos módulos de crossover e amplificação Bryston e o TC6000 da TC Eletronics são exemplos de equipamentos modernos de excelência utilizados no Audio Porto, assim como conversores da Merging e da Prism Sound.
Não havendo portanto, na nossa visão, uma tecnologia melhor que a outra de forma geral, elas são sim complementares e cada uma executa a sua função específica.
Se você não tem um excelente técnico de manutenção, por exemplo, ou não pode manter o ambiente do seu estúdio com temperatura e humidade controladas, pode esquecer a idéia de recorrer aos equipamentos vintage.
Alias, existe muita gente que compara equipamentos vintage mal mantidos com plugins e processadores digitais e rapidamente descartam a opção eletrônica em grande parte das vezes por não ter acesso aos equipamentos antigos em perfeito estado de manutenção e funcionamento, ou ainda usando os analógicos insertados em um sistema digital e não em uma mesa de som com suficiente headroom para suportar a saída destes processadores externos nos níveis corretos de funcionamento.
M&M – E falando em 2 mundos, como é a gestão da Fábrica do Futuro junto com o Audio Porto? Quais são os pontos em comum entre estes 2 universos, no que interagem e no que se diferem?
RH – Já foi mais complicado entender os negócios e seus pontos em comum, mas hoje a realidade imposta pela crise nos pressiona muito a buscarmos simplificar o todo. Ainda assim se trata de uma operação super complexa. Estamos redesenhando as plataformas físicas e digitais das duas empresas e coordenando a comunidade de empresas que ainda se mantém nos nossos espaços de escritório e coworking.
Mas os próximos meses vão revelar nossos novos posicionamentos e quais vão ser os produtos que cada marca vai levar adiante. É muito difícil, mas a equipe acredita muito nos projetos.
Estamos digitalizando e automatizando tudo que é possível e investiremos mais em projetos que possam suportar futuros lockdowns ou problemas semelhantes sem que isso afete tanto nosso caixa como afetou desta vez.
Tínhamos todas as 80 vagas de coworking e as 10 salas alugadas quando assumi. 3 meses depois tínhamos 10 pessoas no coworking e 2 empresas alugando salas. Também trabalhávamos muito com eventos nos nossos espaços e estamos redesenhando o aproveitamento da estrutura para focar mais na criação de conteúdos ligados aos habitantes e parceiros da Fábrica do Futuro.
M&M – Falando de gravações, como se situa o Audio Porto com seus projetos de produção fonográfica? Fale um pouco sobre que artistas e grupos se destacaram no ambiente de estúdio.
RH – Como sempre tivemos essa intenção de nos tornarmos um centro de referência técnica em áudio, nossos projetos sempre buscaram atrair artistas com trabalhos dinâmicos e tecnicamente apurados. Eu desenhei os sistemas e as salas sem ter um diploma de engenharia ou arquitetura, então muito do que gravamos foi com a intenção de observar e aprimorar o resultado das salas e dos sistemas. Recentemente tivemos 3 discos gravados no Audio Porto vencendo premiações no Prêmio Açorianos. Estamos lançando trabalhos com participações de artistas conhecidos como Zélia Duncan, Lenine e Jacob Collier, parceiros do harmonicista Gabriel Grossi.
Já passaram por aqui também engenheiros de áudio importantes como Moogie Canazio e Geoff Emerik, ex-engenheiro de áudio dos Beatles que ministrou um workshop de 3 dias no Audio Porto, um pouco antes dele nos deixar. Mas para o futuro vamos trabalhar muito mais com áudio imersivo, no formato Dolby ATMOS e estaremos lançando trabalhos de outros selos e de outras gravadoras, focando as produções do Audio Porto em si no novo selo e canal que vamos chamar de Palco Futuro.
M&M – Falando da Fábrica do Futuro, quais a startups, pequenas empresas e atividades que ocuparam de forma mais constante as instalações, quais se destacam e quais se mantém desde que chegaram ao espaço?
RH – Na Fábrica temos com a gente a agência de comunicação Global, a empresa de programação Zapply, a produtora de vídeos e de infoprodutos Bisturi, a escola de produção de música e de DJs AIMEC-POA, o estúdio Audio Porto, a empresa de criação e de integração de mídias interativas Imersiva, alem de parceiros como a Blaxp, o RAP In Cena, a 99 Pro, entre outros habitantes do coworking como a Heineken.
M&M – Agora falando sobre o futuro, quais são os novos planos envolvendo estúdio e Fábrica para 2022 e os próximos anos? A tendência é na direção de mais integração?
RH – Apesar de termos muita coisa planejada, estamos em um momento mais introspectivo em relação a anunciar exatamente quais serão os rumos e quando poderemos oficializar cada um dos novos planos e produtos. Mas posso adiantar que vamos levar muita coisa pra dentro das plataformas digitais. Em breve teremos como colocar essas novidades no ar, mas por enquanto a crise segue punindo as afirmações absolutas.
M&M – Sabemos que o Covid19 afetou fortemente as atividades culturais em todo o mundo, e no Brasil não foi diferente. Como foi a convivência com a pandemia, e até que ponto ela interferiu na evolução de estúdio e Fábrica?
RH – Apesar de que tínhamos capacidade para seguir as mudanças que fizemos nesse período, mesmo se continuássemos operando normalmente, a pandemia trouxe um espaço importante de avaliação e foco. A equipe mudou bastante também e o foco do posicionamento das empresas também.
M&M – Como ninguém vive isolado, também nos negócios as parcerias cada vez mais ocupam papel de destaque. Como você anda lidando com parcerias? Algum destaque já em desenvolvimento?
RH – Sim, as parceiras são fundamentais. A maior delas é a parceria entre Fábrica do Futuro, Audio Porto e Imersiva, que juntas executam grande parte dos projetos de eventos e interações no novo espaço da Fábrica. Transformamos o prédio em um prédio interativo e totalmente interconectado através de um sistema de gerenciamento de espetáculos que é usado em museus, em parques como no da Disney e em espetáculos como o The Wall, de Roger Waters. Mas valorizamos todas as parcerias e buscamos constantemente achar caminhos para fortalecermos os habitantes do nosso espaço.
Na parte do Audio Porto, vem aí nossa nova plataforma que vai trazer conhecimento em diversas áreas da produção fonográfica fortalecendo parcerias com especialistas dessas diversas vertentes que formam o universo da produção de áudio. Mas os detalhes vamos trazer mais para o fim do mês de março, quando teremos um evento de reposicionamento do estúdio.
M&M – E a pergunta de 1 milhão de dólares: como gerenciar estes 2 mundos em um mundo que luta contra uma pandemia? Alguma lição se extrai dessa luta, e que serviu de aprendizado on the flight nos últimos anos?
RH – Essa é uma pergunta muito delicada, por que a pandemia ainda não acabou. Tivemos que realizar e seguimos realizando cortes. Acho que a lição passa por entender que as forças em movimento são imprevisíveis e que, independentemente do quanto você lute, você vai precisar escolher aquilo pelo que você vai seguir batalhando e o que você vai precisar abrir mão para não afundar nos próprios sonhos.
Nossa intenção é fortalecer o mercado! Mas é preciso também perceber que muitos na nossa volta não pensam assim e nos momentos de crise muitas das verdadeiras intenções acabam vindo a tona. Mas é importante lembrar que esse é um dos motivos que nos lançaram na busca por ajudar a sociedade ao nosso redor a se tornar mais próspera e unida.
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