OK, você se decidiu a montar seu primeiro homestudio. As dúvidas são muitas, e você nem sabe qual delas eliminar primeiro.
Vamos iniciar uma série de matérias sobre homestudios, visando acabar com as dúvidas, mitos e verdades envolvendo a criação de um estúdio caseiro. Os assuntos são muitos, e não caberiam em apenas uma matéria, logo vamos dividi-los em tópicos que seguem a ordem com que uma pessoa começaria a montar seu equipamento. Vamos citar exemplos, com seus respectivos preços-base, além de explicar tecnicamente como funciona cada item a ser adquirido.
Desta vez, o foco estará nos “cérebro” e “ouvido” do seu homestudio, ou seja, o programa de computador que será usado e os microfones. Computador, porque em todos os tipos de estúdio, a não ser alguns raros estúdios “vintage”, de época, o controle real – hardware – é feito pelo computador, e seu controle virtual – software – é feito pelos programas de gravação, mixagem e outras etapas da produção musical. Nas outras matérias, vamos abordar também os monitores de áudio – vulgas “caixas de som” – as “placas”, ou seja as interfaces que fazem com que os equipamentos se comuniquem com o computador, e outros periféricos.
Não caberia nesta série de textos falarmos sobre a escolha da marca ou modelo de computador, o que seria assunto para um livro inteiro. A evolução dos “cérebros eletrônicos”, acompanhou a letra da canção de Gilberto Gil – “o cérebro eletrônico faz tudo / faz quase tudo / mas ele é mudo…” Então, de forma prática, vamos abordar alguns aspectos dos computadores que são importantes para que ele “ouça e fale”, sempre comandado pelo seu operador, ou seja: você. A escolha do computador ideal para o som passa por uma pergunta, uma dúvida principal, à qual se subordinam todas as outras:
O que eu quero fazer com um homestudio?
Desde um mero entretenimento técnico, como para lidar com a música nas horas vagas, até fazer dinheiro com ele, o campo é vasto. Se você for apenas brincar de estúdio, ou pretende levar adiante sua ideia como um trabalho, pense primeiro no orçamento. Não que o hobby seja mais barato do que o semi-profissional ou mesmo profissional. Nunca vou esquecer da conversa entre dois técnicos de áudio que comentavam sobre monitores de áudio caros, e um deles perguntou algo como: “e para que compraram os dois sistemas?”, sendo respondido pelo outro: “para o dono do estúdio brincar”… É tudo uma questão de caber no bolso, e de saber o que quer, e para o quê.
Um homestudio “tecno-pobre”, como costumo brincar, pode se resumir a um computador decente, com 3 requisitos básicos: um bom processador (um i5 ou i7 da Intel, usados com PCs ou Macs), memória RAM entre 8 e 32 Gb (as marcas dependem da máquina), e um HD espaçoso, entre 1 e 4 Tb de capacidade de armazenamento (e aqui temos muitas marcas, entre HDs internos e externos) Considere ter também um SSD. Neste computador você precisará instalar um programa para lidar com as gravações, mixagens e outros procedimentos. Para isto existem programas chamados de DAWs – Digital Audio Workstations, ou Estações de Trabalho de Áudio Digital.
E neste momento entramos em um ponto crucial: comprar uma DAW ou usar a famosa “Lei de Gerson”, que se resume a “levar vantagem em tudo”. Piratear uma DAW não é tão fácil quanto um game, e as atualizações constantes podem ser um empecilho, além de outros procedimentos que a pirataria não resolve. Sem falar no aspecto ético, que com certeza você vai querer usar a teu favor, quando se tratar de resguardar suas próprias criações, por exemplo proteger suas músicas do plágio. O investimento em uma DAW pode ir de 1 a 700 dólares. Mas estamos tratando aqui do “cérebro” de seu homestudio.
O cérebro eletrônico do homestudio
E para escolher a DAW, voltamos à pergunta inicial: para quê? Se você pretende se tornar um mixador, poderá optar por um Reaper (US$ 60), Tracktion (US$ 60) ou Mixcraft (US$ 165). Se quiser trabalhar com áudio especificamente, ou seja, gravar os músicos, cantore(a)s tocando seus respectivos instrumentos, poderá optar por um Logic Pro X (US$ 199), Bitwig (US$ 199) ou Reason (US$ 369). Se quiser trabalhar ao vivo, poderá reforçar o Logic Pro com o Mainstage (US$ 14), usar o Reason (US$ 369) ou o Live (US$ 449). Há opções gratuitas como o GarageBand que só roda em Macs, e o Ardour que mediante contribuições (US$ 1) roda em Win, Macs e até Linux.
O talvez mais famoso programa de gravação, edição, mixagem e outros procedimentos, o ProTools, tem uma versão gratuita, mas com sérias limitações, e um sistema de pagamento mensal ou anual. Há DAWs que historicamente trabalham melhor com MIDI – o protocolo que emula sons desde a década de 80 – como o Sonar (US$ 499), ou o Cubase (US$ 599), e outras, como o próprio ProTools (US$ 699) mais dedicadas ao áudio, assim como o Logic Pro X, que pelos US$ 199 tem até um editor de partituras e tablaturas. Sem falar no Studio One (US$ 449), que tem uma limitada versão grátis, a Prime, que roda em PCs com Windows e Macs.
Estamos então tratando de um investimento que vai do gratuito, e legalizado, passando por DAWs de US$ 60, e chegando aos US$ 700. Tenha em mente que, além do software DAW, você vai, com o seu desenvolvimento, querer mais programas adicionais, para ter sons de instrumentos simulados de melhor qualidade, efeitos de eco, ambiência, ganho de entrada do sinal gravado e muitos outros, chamados de plug-ins, isto é, pequenos aplicativos que são instalados nas próprias DAWs. E, se já tem alguma experiência com a leitura e escrita musicais, vai querer editar suas composições e arranjos em programas editores de partitura, com várias opções no mercado.
Fechando o assunto de DAWs – eu diria que a melhor delas é a que o seu operador – você – conhece melhor. Um programa modesto pode chegar a grandes resultados. E um sofisticado programa operado por alguém inexperiente pode não render muita coisa. A escolha da DAW passa por este fato, pelo seu preço, e pela plataforma (Windows, OS X Mac ou Linux). Os computadores com Windows são mais acessíveis economicamente, mas o sistema operacional OS X da Apple é mais eficiente. Uma sugestão inicial pode ser o Studio One Prime, gratuito, que poderá ser atualizado para versões Artist e Pro, pagas, e roda em Windows e Macs.
Um, dois, três, gravando…
Assim como o alto-falante transforma energia elétrica em energia acústica, o microfone transforma ao inverso a energia acústica – o som – em energia elétrica, o que se chama transdução. Para conseguir “ouvir” o que falamos, os microfones se utilizam de algumas formas de captar o som. A parte mais importante da produção é a captação do som. Comparando com uma máquina fotográfica, se usarmos uma câmera barata, fizermos uma foto, e depois quisermos melhorar sua qualidade, a tarefa será inútil. Se captarmos os sons com um microfone barato, melhorar sua qualidade também será impossível, ainda que pessoas teimosas tentem…
Microfones Dinâmicos
Uma bobina – formada por um fio condutor de eletricidade em espirais – atravessa um campo magnético várias vezes produzindo uma tensão, o que induz no fio uma corrente elétrica. É o mesmo princípio do alto-falante, mudando apenas o sentido da transdução, que no alto-falante é de dentro da bobina para o cone, e no microfone de fora para a bobina. Uma membrana leve vibra com o som e transmite esta vibração à bobina que é móvel, sendo o conjunto da bobina com a membrana construído sob suspensão. Quando o som atinge a membrana o conjunto entra em movimento de acordo com as ondas sonoras que recebe, produzindo uma corrente elétrica proporcional.
Um mic dinâmico é chamado de “duro” quando elimina os sons mais fracos captando os mais fortes. Há microfones dinâmicos mais ou menos duros. É comum nos dinâmicos a chamada saturação mecânica, que é como a suspensão de um carro que absorve pequenos buracos na rua mais não funciona com buracos grandes. Quando o conjunto bobina + membrana é muito exigido, a membrana – ou diafragma – não acompanha a variação da pressão do som, e o sinal elétrico criado é distorcido, o que pode ser amenizado mudando a distância do microfone em relação à fonte, Este tipo de microfone não precisa de pilhas nem fontes de alimentação.
Um bom exemplo de microfone dinâmico é o Shure SM57 ou SM58, famosos a ponto de serem reconhecidos até por leigos. São indicados para vocais e até para outras finalidades que exigem um microfone resistente, quanto ao manuseio. Os Sennheiser e835 / e935 também podem ser uma alternativa aos Shure. Como são o tipo mais barato de microfones quanto à transdução, são usados para funções que muitas vezes não são muito eficientes. Por exemplo, um Shure SM57 pode ser usado com sucesso para captar amplificadores de guitarra, mas o SM58 não.
Cuidado com as imitações. Um SM57 novo, autêntico, está por volta dos R$ 900, enquanto nas vendas online, onde também podem ser encontrados Shures mexicanos e de outras nacionalidades até mesmo fictícias, os preços variam a partir de R$ 250. Identificar um “clone” é uma tarefa bastante difícil para um iniciante, e o preço não é garantia da autenticidade. Na hora de comprar um microfone, ou qualquer outro item de homestudio, o melhor é ser acompanhado por alguém de confiança.
Microfones de Fita
A saturação mecânica levou à invenção do microfone de fita, onde o conjunto bobina + diafragma é substituído por uma fita de metal ou material sintético com metal aplicado, suspensa pelas pontas dentro de um ímã. Quando o som atinge a fita, ela produz uma tensão elétrica baixa, que passa por um transformador para chegar a um sinal elétrico utilizável. A delicadeza da fita demandava a princípio cuidados para não aplicar uma pressão sonora que a danificasse. Mas com a chegada de novos materiais, hoje temos microfones de fita mais resistentes e de tamanho menor. São microfones muito menos “duros” do que os dinâmicos.
Aqui o bolso começa a sentir que também pode ficar duro… Os microfones de fita são os mais caros no mercado. Uma marca “de entrada” no mundo das fitas é o Samson Vr88a, por volta dos R$ 2.500, mesma faixa de preço dos MXL R77. Por serem mais delicados, mesmo com a evolução dos materiais da fita propriamente dita, devem ser usados com ciência e consciência, por exemplo, nunca para captar bumbos de bateria. São indicados para instrumentos acústicos mais específicos, não sendo descartados para vocais em estúdio.
Microfones a Condensador
Usa outro tipo de transdução pode ser entendida comparando com a antiga brincadeira de esfregar um pente em um tecido, e o pente depois atrair pedaços de papel. Quando esfregamos o pente, ele adquire uma carga elétrica estática. Cargas negativas e positivas se atraem, e por isso os pedaços de papel são atraídos pelo pente. Esta carga adquirida é mantida, a menos que seja descarregada pelo condensador – ou capacitor – o que é conseguido as placas do dispositivo, se permitindo descarregar ao passar a energia estática de uma placa à outra, que seria o que atrai os papéis ao pente.
A carga de um capacitor é o produto da tensão aplicada pela capacidade do capacitor reter as cargas, daí o nome. Esta capacidade aumenta ou diminui de acordo com a distância entre as 2 placas do dispositivo. Se uma é mantida carregada a tensão permanece. Se a mantivermos e mudarmos a distância entre as placas a tensão vai variar conforme a sua distância. Com uma placa fixa e outra móvel, esta assume o papel do diafragma. Quando um som atinge a placa móvel, faz variar a distância em relação à fixa.
Se a distância varia, a tensão também varia. Basta usar uma maneira eletrônica que capte a variação da tensão sem tirar a corrente das placas, e teremos sinais de áudio. Estas maneiras podem ser transistores e válvulas, que amplificam esta variação, como o transformador do microfone de fita. Para carregar o capacitor é preciso uma tensão, o conhecido Phanton Power, ou pode ser aplicada ao dispositivo capacitor quando é fabricado, e neste caso temos um tipo de microfone a condensador muitas vezes erradamente classificados em outra categoria, como de Eletreto, que são também capacitores que precisam de pouca energia, geralmente uma pilha.
Os mics a condensador são “macios” e captam sons mais sutis, com detalhes de cada timbre, natural, às vezes melhor do que os microfones de fita. Têm pouca saturação mecânica, mas podem ter problemas com a saturação elétrica, que precisa ser proporcional vinda dos amplificadores – transistores ou válvulas – do capacitor. Existem muitas marcas e modelos de microfones condensadores, desde os acessíveis Behringer C-1 e sua versão USB C-1U, respectivamente por volta de R$ 250 e R$ 350.
Mas, como são microfones utilizados em diversas aplicações, é bom investir um pouco mais nos microfones a condensador, como por exemplo em um Sennheiser MK 4, encontrado por entre R$ 1.500 e R$ 1.900. O melhor dos mundos para os condensadores seria um AKG C414, que beira os R$ 5.000. Para aqueles que estão pensando a longo prazo, e seus bolsos não encontram dificuldades na abertura, seria o condensador indicado. Como para todas as marcas e modelos mais procurados, convém, na compra, se fazer acompanhar por alguém que conheça clones.
Microfones Piezoelétricos
Materiais como cristais e cerâmicas – e hoje em dia muitos outros – se ligados a qualquer tipo de membrana podem se tornar transdutores. São os antigos “cristais” usados para eletrificar violões antigamente, e que hoje tiveram algum desenvolvimento. Por serem muito sensíveis ao calor, vão se deteriorando com o tempo. Não teriam muitas aplicações em estúdio, a não ser alguns modelos usados na captação de pianos acústicos, e outras aplicações muito específicas, que fogem ao objetivo de um homestudio.
Microfones a Carvão
Antigamente usados em telefones, eram recipientes com grãos de carbono puro, que permitiam passar uma corrente elétrica através deles, e uma tampa funcionava como membrana. Quando o som atinge a membrana, comprimem e descomprimem aos grãos, variado a tensão. Pela sua idade avançada, não os recomendaria, nem modelos construídos atualmente, a quem está começando sua trajetória de gravações, a menos que você seja um fanático por equipamentos de áudio vintage.
Como ouvem os microfones
Assim como nossos ouvidos, os microfones são capazes de “ouvir” o que está à sua frente, dos lados e até quem está falando – literalmente – por trás. Todos conhecem o que seja uma “microfonia”, ou seja, aquele ruído causado pela entrada do som no microfone, levado ao sistema de amplificação e quando dele sai, novamente entra pelo microfone, causando a chamada “re-alimentação”. Este e outros problemas podem ser evitados pela escolha do microfone quanto à sua diretividade, que pode ser bem diferente de modelo para modelo, ou até mesmo existem modelos que podem ser configurados para várias diretividades.
OMNIDIRECIONAIS
Capta em todas as direções. Se a fonte do som está na frente do microfone, a pressão empurra a membrana para dentro, produzindo saída elétrica positiva. Se a fonte estiver em qualquer outra posição, mesmo assim a pressão na carcaça do mic também empurra a membrana para dentro, pois o corpo do microfone é pequeno em relação ao comprimento da onda, salvo raras exceções.
UNIDIRECIONAIS
Cardióide
Na parte traseira ou lateral traseira deste tipo de microfone há uma entrada secundária de som, fazendo com que a fonte sonora que estiver à frente do microfone gere saída positiva empurrando a membrana para dentro. Quando a fonte estiver do lado, algum som entra pela abertura secundária empurrando a membrana para fora, produzindo um cancelamento parcial.
Assim este tipo de microfone terá menos ganho se a fonte estiver na lateral. E se a fonte estiver na traseira, e a entrada da abertura secundária for construída para ser igual à da frente, entrando a mesma pressão pela frente e por trás, por trás o microfone terá ganho mínimo ou nenhum, favorecendo apenas a fonte que estiver à frente.
Supercardióide
Quanto maior a abertura secundária traseira maior o cancelamento das fontes que vierem por trás dele, fazendo com que o microfone seja mais direcional do que os cardióides.
Hipercardióide
A abertura secundária é maior ainda, o som que vem de trás entra com maior intensidade do que pela abertura frontal, produzindo uma pressão positiva vinda de trás, que terá uma tensão de saída negativa, ou seja, com a fase invertida.
BIDIRECIONAL (ou “Figura 8” )
Se a abertura de trás for igual à abertura da frente, o mic terá duas entradas iguais, captando igualmente o som que vem de trás como o que vem da frente. A parte de trás, mesmo captando fora de fase, capta perfeitamente. Pode ser usado com uma fonte atrás e outra na frente, ou para captação estéreo (técnica M-S).
Nossos ouvidos, subdesenvolvidos?
Como podemos perceber, o tema microfones envolve uma série de fatores e parâmetros, assim como outros itens de homestudio. Mas resolvi começar por eles, pois são o início da longa caminhada do sinal de áudio pelos equipamentos, saindo de sua fonte até chegar a seu alvo, nossos próprios ouvidos. Que, por sinal, são péssimos microfones. Para se ter uma ideia, os famosos arquivos MP3 que chegam a 10% do tamanho dos arquivos de áudio comuns (Waves, Aiffs etc.) são assim menores porque só contêm o que nossos pobres ouvidos ouvem.
Com um pouco de treinamento auditivo, vamos melhorando a percepção. Evitem ouvir em volumes muito altos, pois um ser humano que vive em uma cidade dos dias de hoje tende a perder 1% de audição por ano, começando pelos sons mais agudos. Ouvimos de uns 20 Hertz a 20 mil, o que explica os apitos para chamar cães, que só eles ouvem, por ouvirem além de nossa audição. A dor em ouvir em altos volumes começa por volta de cento e poucos decibéis, e o ruído de fundo de uma cidade, imperceptível, chega a 60 decibéis.
A transdução estará sempre presente quando se trabalha com o som. As ondas sonoras têm formas e tamanhos diferentes, e quando formos abordar o assunto “caixas de som”, monitores de áudio, vamos entender melhor porque os elefantes eram considerados “telepáticos”, mas na verdade, por terem grandes orelhas, podiam ouvir sons muito graves – cujas ondas são grandes – emitidas por seus companheiros a quilômetros de distância. Por isso, vamos estudar, senão seremos capazes de dizer que os cães ouvem sons invisíveis. Qual som é visível?