Até orquestras estão tendo uma nova opção de rendimentos com a computer music. A biblioteca do Spitfire LCO não nos deixa mentir. Confira.
Em 1988 no Festival de Inverno de Campos do Jordão em S.Paulo, Conrado Silva – engenheiro acústico, compositor e então meu mestre – apresentou aos participantes um velho Macintosh rodando software sequenciador, com músicas sinfônicas.
Ligeiro pânico tomou conta dos músicos, maestros e alunos, até que se explicasse melhor sobre a impossibilidade da máquina roubar seus empregos. De lá até hoje, muita coisa mudou, e até orquestras estão tendo uma nova opção de rendimentos com a computer music.
A criação das OSL – Orchestra Sample Libraries, já foi estudada pela Hanover University of Music, Drama & Media em 2014, em testes feitos online, nos quais ouvintes sem experiência se mostraram incapazes de diferenciar os timbres de uma orquestra de verdade dos das OSL.
Já dos ouvintes mais experientes, entre 72 e 68% conseguiram diferenciar o real do virtual. Isso aponta para o uso dos timbres virtuais nas produções mais populares, como a de games, pop e outros segmentos não eruditos.
A evolução do protocolo MIDI, e o desenvolvimento da técnica de áudio, proporcionam hoje, além da possibilidade de compositores e arranjadores testarem seus trabalhos antes de gravar, o pagamento deste trabalho, e outros benefícios financeiros a quem participa das tomadas de som, mixagens, masterizações e outras etapas que são partes na produção das conhecidas bibliotecas de timbres, de todos os gêneros, estilos e variações, inclusive o erudito, ampliando o campo de trabalho das orquestras.
É o caso da inglesa Spitfire Audio, que reuniu compositores, produtores e engenheiros para otimizar a amostragem digital de instrumentos de orquestra, com uma crescente rede de distribuição que envolve o pagamento de royalties, baseados na vendagem, aos músicos, técnicos de som e todos os participantes do projeto.
A empresa é a segunda maior contribuidora da UNICEF via o projeto JustGiving.com, permutando samples por doações, além de remunerar com justiça os músicos.
Essa política de pagar os royalties, e acima da média, atraiu a nata dos músicos britânicos, para gravações quase sempre no Air Studios, onde foram produzidas as trilhas para filmes como Gladiator, Harry Potter, séries como Downton Abbey & Poirot, Imagined Occasions, além, óbvio, de bandas e artistas como Coldplay, Radiohead, Paul McCartney, George Michael e Muse, e orquestras como a London Contemporary Orchestra, ganhadora do prêmio da Royal Philharmonic Society Music em 2015.
Spitfire LCO
A Spitfire lançou uma biblioteca chamada LCO – London Contemporary Orchestra / Strings, de custo relativamente acessível e com os recursos suficientes para quem está começando a lidar com arranjos para instrumentos de corda, ou mais precisamente quartetos de cordas – violino, viola, violoncelo e baixo.
Foram gravados 6 violinos, 4 violas, 3 violoncelos e 2 baixos em oitavas, com cerca de 100 articulações no sistema que batizaram de “Detuned Open String”.
Para cada articulação foram usadas 2 posições de microfone (Close e Room), 2 mixagens individuais estéreo (Full e Pumped), 2 edições adicionais em FX analógico, e reverb integrado e adaptado à sala, com controle pelas 3 GUIs: Overview Panel, com acesso esperto às articulações, mixagens de microfones e controles essenciais; General Controls Panel, um painel UI com foco nas alturas e intensidades e a The Ostinatum; dispositivo nem arpejador nem sequencer, um novo e sutil construtor de padrões de execução.
Os responsáveis pelas gravações foram o engenheiro Joe Rubel e o produtor Stanley Gabriel, com articulações inéditas para a escrita de arranjos, em uma paisagem composicional também inovadora. Eles estimularam os músicos em gravações tidas como “impossíveis” sem o auxílio de tecnologia.
A LCO foi formada em 2008 pelos diretores artísticos Robert Ames e Hugh Brunt, e a biblioteca requer 28.1 Gb de espaço em HD (56.2 Gb durante instalação) dos 45.7 Gb (wave sem compressão) das 42.094 amostras.
Atestando a finalidade para a qual foi criada – ser a biblioteca inicial para novos e criativos arranjadores – escolhi para o teste um aluno meu já há dois anos, Júlio Henrique de Cezaro, que vem se destacando pela sua capacidade de criar com hardware básico e uma DAW geralmente usada para música eletrônica (Fruit Loops). Ele usou algumas outras amostragens, mas se baseou na LCO para a obra que batizou simplesmente de Orchestra, cujo link aqui está à disposição para avaliarem autor e biblioteca.
Júlio fala sobre o seu trabalho: “O processo de sequenciamento da orquestra foi natural e intuitivo, principalmente por se tratar de uma biblioteca onde o arranjador tem o total controle do timbre dos instrumentos. Pude escolher trabalhar tanto com sonoridades mais orgânicas, quanto simulações de grandes ambientes, isso me ajudou a definir o timbre de certos instrumentos e colocar outros em segundo plano.” Além da produção musical, ele é aluno da Escola Pública de Música de Farroupilha, e segue o relato:
“Sempre que sequencio arranjos com o intuito de soarem realistas, levo em consideração a humanização das notas MIDI, lembrando que um som “matemático”, onde o ataque das notas começa exatamente ao mesmo tempo e com a mesma intensidade, nem sempre “engana” os ouvidos.
Além disso, foi muito importante o uso das articulações entre notas, acho sempre interessante usar e abusar do mais comum “staccato” até certos efeitos cinemáticos.” Foi usado um PC com Win10/64 bits, e 12 Gb de RAM.
30 anos depois dos músicos de Campos do Jordão terem ficado apreensivos com a possibilidade de perderem seus empregos para um computador, se chega à conclusão de que sem a presença real do arranjador e do músico a música não acontece sozinha. E mais: abriu-se um novo campo de trabalho, nas gravações, distribuição dos arquivos e sua comercialização, incorporando mais cargos na cadeia produtiva da indústria da música, sem exageros capitalistas, como nos dá o exemplo a Spitfire Audio.
Confira: www.spitfire.com