Nesse novo artigo de Quem Canta Seus Males Espanta, vamos sair um pouco dos instrumentos “externos”, e nos voltar para o nosso instrumento “externo”: a voz.
E não escolhemos um cantor ou cantora para externar o trabalho que tem desenvolvido. Escolhemos uma terapeuta com um grande envolvimento com o som. Ela criou o Corpo Sonoro, um método sobre o qual nos fala aqui.
Sandra Sofiati é psicóloga formada pela USP em 1975 e trabalha como psicoterapeuta há 47 anos. Fez especialização em Bioenergética, na Escola do Desvendar da Voz, em Pathwork e em Constelações Familiares. Foi professora do Instituto Sedes Sapientiae, Senai e Unifesp, ensinando seu método de Terapia de Corpo e Voz Corpo Sonoro.
Sabemos das 7 couraças reichianas, dentre as quais está a oral, mas em se tratando do canto, entram em ação outras, dado o uso da respiração. Como você avalia o papel das couraças levando em consideração as usadas no processo do canto?
O canto, na verdade, rompe com o bloqueio da respiração curta, inibida, porque não tem como não respirar quando você está cantando. É uma atividade que faz muito bem para o espírito, mas sobretudo também para o corpo físico. Em relação às couraças, a primeira defesa, a primeira couraça a se formar é a diafragmática, que é quando a respiração começa a ficar muito superficial, muito alta no peito, de modo que a pessoa, sem poder estar respirando em toda a sua potencialidade, vai se insensibilizando. Porque a melhor maneira de você não sentir dor, e as nossas defesas são todos para evitar a dor, é diminuir a respiração.
Desde a primeira infância o ser humano bloqueia a respiração para não sentir.
Na verdade, existe todo um comprometimento emocional e psíquico quando você não respira na sua potencialidade, porque na verdade acaba se anestesiando, e parte da sua energia vital também acaba ficando muito reduzida.
O papel do canto é fundamental porque ajuda no desbloqueio da energia através do desbloqueio da respiração. E lógico que quando esta energia desbloqueada entra no sistema energético, a sua própria movimentação faz com que outras couraças – além da diafragmática – possam ser desbloqueadas também.
Pensando no desenvolvimento do Cordão Sonoro, você acredita que um trabalho de canto a partir de certo momento na infância pode ser um forte alicerce para o uso musical da voz nas outras etapas cronológicas do ser humano?
Acredito sim que o canto na infância pode dar condições de um desenvolvimento artístico, mental, emocional e espiritual, que possivelmente vai permanecer até a vida adulta. O corpo guarda memórias. Mesmo que, durante uma vida de apuros, de muitas dificuldades, a pessoa volte a se bloquear, volte a respirar muito pouco numa tentativa de sobrevivência, o fato é que o corpo tem memória, e o espírito de alguma maneira também. Então eu acho que o ensino da música na infância é fundamental, e o canto também é fundamental. Quando a gente canta, a barriga abre. Quando a gente canta, a ressonância do canto – mais do que qualquer outro instrumento – vibra no corpo e faz com que essa corpo seja vibrante, um corpo potente, alegre. Então, acho sim que se o ser humano, cantar desde a infância, possivelmente será um ser humano adulto que ama, que produz, que cria. E outra coisa que merece ser dita: o canto nem precisa ser ensinado, porque se a criança não foi reprimida, naturalmente ela vai cantar; a gente vê isso acontecendo com crianças muito pequenas.
Não é só o canto que não deve ser reprimido, é toda expressão sonora que tenha ligação com a expressão emocional. Quando a família é muito repressora, quando na escola não se pode soltar determinados sons, isso cria bloqueios que enfermam. Sons biológicos, naturais, viscerais, quando não reprimidos, abrem depois de um tempo a possibilidade de se tornarem canto.
Eu acredito que o ser humano é músico, nasce com esse dom. Todos nós somos músicos, todos podemos cantar. Se a gente não canta, possivelmente é por causa do processo de repressão e por causa do encouraçamento. Eu acredito que a partir dos sons biológicos, naturalmente a criança pode, e é muito provável, que ela passe por uma fase na qual ela vai cantar. Lógico que vai depender um pouco do quanto que a família ouve música. Mas ela ouve música na televisão o tempo todo, quando entra na escola, também começa a ouvir música. De forma que ela nem precisa ter aula de canto pra cantar, se o corpo já não estiver encouraçado. Claro que se ela puder ter aulas de canto, se puder fazer parte de um coral, se ela puder tocar um instrumento, aprender a tocar um instrumento e cantar ao mesmo tempo, maravilha. Isso vai ser um estímulo a mais para ela se expressar musicalmente.
Continuando em ordem cronológica, entre Reich e Lowen, os desbloqueios corporais podem ser auxiliados pelo desbloqueio da voz, e dentre estes desbloqueios estaria um dos problemas do ensino do canto; as temidas desafinações?
Oitenta por cento das temidas desafinações não acontecem por questões físicas e nem por falta de ouvido musical. Acho que existe uma repressão, quando a pessoa canta, que já está introjetada. Porque, quantas vezes ela ouviu dizer que não cantava bem, que cantava desafinadamente?
Eu acho que o desbloqueio através de um canto mais livre, no qual seja permitido desafinar, abre o canal sonoro, e ao soltar a voz, ao desinibir essa expressão, com certeza a pessoa que, digamos, é desafinada, tende a poder vir a ser afinada. E digamos que não seja possível mesmo afinar, ok, que lhe seja possível cantar do mesmo jeito. Acho que a pessoa que está desafinando tem o prazer de abrir a boca, de sentir sair a voz, e isso é muito importante. Além de que, som da própria voz é o som que produz mais vibração e isso põe em movimento aquilo que parou de pulsar. É uma questão física. Pelas vibrações sonoras que a voz tem, tanto a falada quanto a cantada, você vai desmanchando as couraças, abrindo a possibilidade de um fluxo de energia que volta a circular dentro dos caminhos que seriam os mais naturais e os mais biológicos.
Acho que a primeira coisa nesses casos de pessoas muito desafinadas, é tentar fazer com que ela possa recordar em que momento da sua vida ela ouviu dizer que ela era desafinada, e que não podia se expressar pelo canto. Porque aí já fica claro o momento da repressão, quem reprimiu e qual foi o efeito que essa repressão produziu no desenvolvimento desta pessoa.
Fale um pouco sobre o Desvendar da Voz, Rudolf Steiner, o problema da cantora sueca e como você teve contato com este interessante trabalho, que certamente coloca a importância das outras couraças – além da oral – no encontro da verdadeira voz.
No início do século uma cantora sueca, lírica, soprano, de muito sucesso, viaja pela Europa e tem aulas com um professor de canto italiano que diz: olha, se você continuar a trabalhar sua voz dentro deste método de canto lírico, no qual você está treinando, vai acabar sem ela. Era uma determinada nota que ele ouvia, e através dessa escuta ele fez essa afirmação. Dito e feito: depois de alguns anos a cantora não só deixa de cantar, como também deixa de falar. Até que ela conhece o Rudolf Steiner, e junto com ele, ela desenvolve um método chamado Desvendar da Voz. O que faz esse método? Primeiramente, dentro dessa escola, há uma concepção de universo muito parecida com a concepção oriental. Acreditam que todo o universo foi criado através de uma fonte sonora. Existiria o Om, fonte inicial, que vai se decompor em vários tons musicais, que são inaudíveis ao ouvido humano, e que encarnam na Terra através da voz humana e dos instrumentos musicais. Eles acreditam que as notas musicais, os sons, são seres espirituais. Tratam cada nota musical como uma entidade vivificadora e restauradora de saúde. Determinados exercícios, determinadas formas corporais, podem captar esses sons cósmicos na sua energia mais sutil, de forma que eles podem trabalhar pela saúde, regenerando não somente a voz, mas tratando também de enfermidades e até de questões emocionais. Por isso quem canta seus males espanta. Porque de alguma maneira, quando cantamos, estamos encarnando no planeta os sons inaudíveis, que se tornam audíveis através do ser humano, pelo canto ou pelos instrumentos musicais. De forma muito sintética é esta a ideia.
No primeiro artigo da série “Quem Canta Seus Males Espanta”, abordei a importância do número 4 na música. Nos conte um pouco sobre o exercício MVRS e sua associação aos 4 elementos.
A proposta deste exercício é trabalhar com os 4 elementos. O som do M tem ligação com o elemento água, o som do V é fogo, o som do R é ar, e o som do S é terra. Quando você faz esse exercício, que não vou descrever por ser muito sutil e complexo, na verdade você está trabalhando pela unificação dos quatro elementos, que na verdade são os elementos que determinam a vida. Através dele também fazemos uma conexão com as quatro direções. Portanto existem quatro sonoridades, quatro consoantes, cada uma ligada a um elemento. Todas as mães do mundo fazem seus filhos dormirem através do som do M, independente do lugar no planeta que em que estejam. Este M tem ligação com o embalo, o ninar a criança e por isso tem relação com água, que formam as ondas, que flui. O V é ligado ao fogo. Fazemos diferentes Vs com a intenção de sonorizar o fogo. Este som está ligado a este elemento e tem a propriedade de mobilizar a sua energia vital, seu centro. O som do R tem ligação com o ar, é o som que coloca a vibração sonora no espaço, um som que vibra, e que tem a propriedade de propagação pelo ar maior do que os outros fonemas e vogais. E o som do S é ligado a terra porque é aquele que materializa, que concretiza, contém. Quando você está no cinema e alguém está falando, que som você faz? Se você vê uma criança fazendo uma travessura, qual som você emite? Sempre o S: shi, tshi. É o som que tem a propriedade de solidificar, conter.
Quando você junta estes quatro elementos, MVRS está fazendo uma integração daquilo que é fundamental pra vida. Esses quatro elementos são emitidos de forma harmônica, e o tempo que cada consoante dura nos exercícios é o mesmo, e com isso se faz um trabalho de harmonização. Além disso, junto com o som, o corpo faz um movimento que lembra muito o reflexo orgástico descrito por Reich. Que na verdade não tem relação só com o orgasmo; aqui o reflexo orgástico tem o sentido de organísmico. Então qualquer emoção, qualquer expressão emocional tem este reflexo de base, se o corpo está livre, desencouraçado.
Agora nos fale um pouco sobre o seu Corpo Sonoro, trabalho que vem realizando já a algum tempo no teu leque de opções terapêuticas reichianas, e o que este trabalho tem a oferecer ao mundo musical nestes tempos de ruídos…
O meu diferencial dentro da área dos corporalistas, dos psicoterapeutas reichianos, bioenergéticos, é que eu acabo usando os sons, a música, a voz, como agentes de desbloqueio energético. Então digamos, as posições da bioenergética do Lowen, são todas posições que fazem com que a energia volte a circular, mas é algo de fora pra dentro. E o som, ao contrário, tem a propriedade de fazer a energia circular, desbloqueando-a de dentro prá fora. Isso é uma questão física; som é vibração. Tensão tem a ver com não movimento, contração, que é quando a energia não flui. Então, na hora em que você vibra numa área corporal, você está colocando a vibração na função de desbloquear aquela região. E com isso uma parte da energia vital que estava presa na repressão, no bloqueio muscular, começa a circular de novo em todo sistema. Isso que dizer que sentimentos e consciência podem volta a fluir, tornando-nos mais vitais, criativos e potentes. E aí, sem dúvida, a vida fica mais interessante.
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