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Quem canta seus males espanta (Parte I) O 4 na música

Entrevista com o maestro Marcelo Rabello dos Santos da UFCSPA.

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Os Beatles foram quatro, os Rolling Stones também podemos dizer que – desde a perda de Brian Jones – também. O Led Zeppelin, a primeira banda de rock que vendeu mais do que os Beatles, e tantas outras foram quatro. Carlos Castañeda escreveu que tudo deveria ser feito em quatro porções, quatro são os pontos cardeais e ao quatro podemos associar várias coisas, o diabo a quatro.

Na música, o quatro não é menos usual e importante. Existem, além dos quartetos do rock, os quartetos de cordas, metais, madeiras e percussão. Quatro. Mesmo deixando de lado os naipes de instrumentos, os naipes do baralho e uma maior variedade de alturas de vozes, temos quatro vozes principais: baixo, tenor, contralto e soprano. E são quatro as suas propriedades: altura, duração, intensidade e timbre.

Na Harmonia, é muito usada a quantidade de vozes – enquanto notas – na construção de acordes, mesmo depois do teclado deixar os dez dedos das duas mãos à disposição. Nos instrumentos de cordas é usual numerarem-se os dedos que as prendem por 1, 2, 3 e 4, com exceções criativas. O próprio pentagrama – sistema de 5 linhas e espaços onde se escrevem as notas – começou com 4 linhas.

Mas, vamos resumir o quatro na música para iniciar uma série de artigos que colocam a voz, o estudo e ensino do canto com suas origens européias, que evoluíram até o chamado Canto Orfeônico, trazido ao Brasil por Villa-Lobos como implementação da música no ensino, para muito além de apenas fazer da carência de instrumentos uma limonada de limões. Além do óbvio da sua aplicação na percepção musical.

A primeira atividade de uma pessoa é cantar sozinha. A segunda pode ser cantar se acompanhado com um instrumento – a famosa opção “voz e violão”. A terceira,  também muito usada, é juntar pessoas em um grupo musical que acompanhe o canto. E a quarta é se juntar a um grupo de pessoas para cantarem todas juntas, e aí teremos a formação de um coral. Mais uma vez o quatro…

Começando pela quarta opção sugerida, Música & Mercado foi ouvir o Coral da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, na mais recente de suas apresentações no Salão Nobre da universidade em 20 de julho de 2023. Paralelamente, entrevistamos o maestro e regente Marcelo Rabello dos Santos, que aqui transcrevemos.

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1-Como surgiu a ideia de um coral ligado à uma universidade de ciências da saúde ? Fale um pouco sobre o nascimento da ideia e sua participação nela, quando começou e como se deu o aumento de participações.

Meu primeiro contato com a ideia do Coral UFCSPA foi um tanto prosaico. Deu-se lá por 2010 ao ficar sabendo, pelo jornal, da realização de um concurso público para a vaga de regente. Fui aprovado e chamado a iniciar os trabalhos em 2012. Somente então fiquei a par das motivações para o projeto. Vou enumerar três delas: expressar o compromisso da UFCSPA com a cultura e os valores humanistas; construir a nova imagem pública da instituição, federalizada recentemente, em 2008 (até então era a FFFCMPA); e contribuir com a humanização do ensino e das relações entre a universidade e a sociedade. Coerente com estes princípios, o Coral UFCSPA foi desde o princípio um grupo inclusivo, aberto à participação de todos os interessados em cantar. Nesses pouco mais de 10 anos, o coral nunca contou com menos de 60 participantes, evidenciando o interesse da comunidade na proposta.

2-Holisticamente, sabemos que “quem canta seus males espanta”… e recentemente o Miguel Nicolelis tem chamado a atenção para a saúde do cérebro, a ponto de estar em breve lançando um projeto internacional para mostrar que os males dos distúrbios neurológicos nos afetam mais do que imaginamos. De algum modo, seu trabalho com o coral vislumbra o canto como uma das terapias possíveis neste sentido?

Certamente. O conceito de saúde é mais que a mera ausência de doença, diz respeito ao bem estar geral do indivíduo. Nessa acepção ampla, o papel da música na saúde é conhecido desde a antiguidade.  A questão para o séc. XXI é entender como isso ocorre, de um ponto de vista científico, em diferentes dimensões. Minha pesquisa de mestrado, por exemplo, é justamente sobre o papel da música no envelhecimento saudável do ponto de vista cognitivo. Do ponto de vista da saúde vocal, o canto coral também se mostra salutar, e estudantes de fonoaudiologia da UFCSPA atualmente têm oportunidade de desenvolver atividades junto ao Coral UFCSPA nesse sentido. Mas, como salientei, há ainda muito trabalho a ser feito nessa área antes de podermos entender exatamente o impacto que uma atividade como cantar em coral têm sobre a saúde de seus participantes.

3-Sobre lidar com pessoas não familiarizadas com a leitura e teoria musical, fale um pouco sobre como tem trabalhado com estes casos. Tem havido situações em que participantes do coral se animam e resolvem ter uma interação maior com a música, tocar um instrumento se aprofundarem ou mesmo abraçarem uma possível carreira musical?

Nosso grupo é formado majoritariamente por iniciantes na música. Logo, a maioria das pessoas não lê partitura e nem tal é requerido. Gravações dos naipes vocais (soprano, contralto, tenor e baixo) são disponibilizadas para as pessoas possam estudar as canções em casa e aprender as canções sem necessidade de leitura musical. Mas é possível aprender a ler através do coral. Periodicamente, ofereço cursos de leitura de partitura, e os ensaios são o perfeito laboratório para este aprendizado. O projeto Banda Comunitária da UFCSPA, também conduzido por mim, abriga aqueles que desejam aprender instrumentos musicais. Acompanhar o crescimento musical dos integrantes do coral e da banda é uma das minhas grandes alegrias. Já o caso da pessoa que opta por uma carreira musical a partir do nosso trabalho é muito raro: o que fazemos é enriquecer a vida das pessoas, que têm a oportunidade de integrar música com suas demais atividades.

4-No repertório sem dúvida canções conhecidas facilitam os processos de arranjos, ensaios e apresentações, mais há casos em que o coral se envereda por peças eruditas?

Há casos. Para o final de 2023 teremos um espetáculo provisoriamente chamado “O Som da Cena” em que será interpretada uma peça de Verdi. Mas é importante ter em mente que as fronteiras entre o popular e o erudito são, afinal, elásticas. Um arranjo coral de uma canção “popular”, ao explicitar a harmonia através da condução das vozes, por exemplo, aproxima esta canção do “erudito”.

5-Planos para o futuro: já se pensa em juntar o coral com grupos instrumentais, fomentar este tipo de interação?

O Coral UFCSPA não é diferente das demais atividades universitárias: há continuamente novos participantes, que estão chegando na instituição, e aqueles que estão se formando. Claro, como se trata de um grupo aberto à comunidade, há pessoas que permanecem. Mas o fato é que o grupo está em constante transformação e renovação. A cada semestre, o trabalho é reiniciado, tendo como meta um espetáculo ao final do período.  Há semestres que contemplam apresentações conjuntas, por exemplo, com a Banda Comunitária da UFCSPA e a banda Terminal 470. Depende do tema do semestre. Mas sempre enveredamos por este caminho das apresentações conjuntas com muita cautela. Há questões técnicas para as quais nossas soluções são limitadas: superlotação do palco, falta de estrutura e equipamentos de som etc.  Já temos planos para o próximo semestre, será o referido “O som da cena”, que irá explorar o teatro musical. Quanto ao espetáculo “Anos 80”, que apresentamos ontem, em 20/07/23, encerrando o primeiro semestre de 2023, jamais será exatamente repetido. No próximo semestre, já serão outros coralistas e outro repertório. Um pouco como as mandalas de areia: trabalhosas, belas e efêmeras.

O primeiro para a íntegra da apresentação Anos 80, no YouTube, em 20 de julho de 2023: https://www.youtube.com/coralufcspa

O segundo para os arranjos de Marcelo Rabello, que podem ser ouvidos ao serem clicados: https://musescore.com/user/4525836/sets/6116419

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