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Estamos quebrando o mercado de áudio e instrumentos?

A ausência de uma consistente política nacional de preços dos fornecedores pode causar o desequilíbrio da competitividade no comércio.

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Pelos idos de 1900, o prefeito de Londres solicitou um estudo para avaliar o que poderia ser feito para conter o acúmulo de estrume de cavalo que vinha crescente nas vias públicas. Naquela época, todos os meios de transporte dependiam da força animal e as ruas estavam lotadas deles.

Cada cavalo produz até 14 kg de esterco e um litro de urina por dia. Em 1894, a situação era tão grave e estimavam que em 50 anos, as ruas Londres estaria soterrada sob três metros de esterco de cavalo! O fato é que o transporte animal foi substituído pelos automóveis e a catastrófica previsão não se realizou. 

Mas, da mesma forma que há exemplos como este acima, podemos citar a Kodak. Por quase um século, a gigante global Kodak praticamente dominou o mercado de fotografia 

A empresa faliu quando o mercado de fotografia estava crescendo. O grande erro da Kodak foi não entender a taxa de crescimento e do avanço tecnológico, a Lei de Moore e o crescimento exponencial. 

Embora inovadora, a Kodak era uma empresa industrial do século XX com pensamento e comportamento do século XX em um mercado que mudava lentamente e era dominado por grandes corporações mundiais. O que a Kodak e seus líderes não perceberam foi que a fotografia digital não seria apenas mais um produto, mas uma mudança profunda no mercado fotográfico que estava sendo digitalizado pela tecnologia, e que o mercado tradicional seria literalmente destruído pelo modelo digital.

Coloco estes pontos de reflexão acima para mostrar que análises conjunturais lógicas também podem ser indutoras do erro. Assim, de forma humilde, incentivo que o texto abaixo seja lido também de forma crítica e espero a ponderação do leitor para somarmos opiniões.

As mudanças no varejo da música

O mercado musical está passando por mudanças mais severas desde a pandemia e o principal dele não é mais o paradigma do comércio digital, mas o comércio D2C, Direct to Consumer na tradução literal ou a famosa ‘venda direta do fornecedor ao consumidor’ e, em muitos casos, na ausência de uma política de preços que possam permitir a sobrevivência do comerciante.

Canibalismo e autofagia

Vamos entender o momento. A tecnologia e o desenvolvimento da logística trouxe ao consumidor comodidade e praticidade para buscar informações e encontrar produtos, comparar preços e recebe-los confortavelmente. De acordo com especialistas, os consumidores da geração Z e geração Alpha não separam o digital e a realidade e isto impacta imensamente o processo de compra. Quem tem acima de 35 anos se lembra que, para comprar algo, tinha que esperar um dos pais irem a uma loja, normalmente ao final de semana, para escolher e comprar.

Hoje, o jovem quer comprar na hora, quer receber o produto imediatamente e não importa de onde, desde que tenha o melhor preço, as características desejadas e a pontuação satisfatória. 

Preocupados, dezenas de lojistas que integram o grupo de WhatsApp da Música & Mercado vem debatendo sobre o tema e questionando a falta de atitude das empresas fornecedoras.

Qual o problema nisso tudo? O problema é que o consumidor compara on-line os preços de uma alta quantidade de lojas e a ausência de uma consistente política de preços por parte de muitos fornecedores pode vir a causar um sério desequilíbrio da competitividade do comércio. Inclui-se nesta comparação as lojas on-line das próprias das marcas fornecedoras. 

Mas este não é o único ponto. Em outros casos, para se manter competitivos, lojistas assumem sua autofagia, precificando erroneamente seus produtos.

E por fim, temos os marketplaces internacionais que, de acordo com dados do banco central, o número de importações de pequeno valor aumentou cem vezes em dez anos. Os dados mostram que, em 2013, o número somava US$ 83 milhões (R$ 430 milhões), saltando para pouco mais de US$ 8 bilhões (R$ 40 bilhões) em 2022. O cálculo considera até setembro deste ano — último mês com números divulgados. É necessário dizer que estes números são totais, não somente no mercado da música.

O paradigma do fornecedor

Colocando-se no lugar do fornecedor temos também uma vasta realidade de desafios. Devemos considerar o mesmo ambiente que o varejo se encontra. Uma mudança no perfil do consumidor, na forma de compra, na concorrência com as marcas vendidas nos marketplaces internacionais, excesso de marcas OEM, contrabando, falsificações e a instabilidade econômica.

Além destes fatores, existe a pressão para o aumento das importações por parte das empresas internacionais proprietárias das marcas, a flutuação do dólar, crises logísticas e quebra de produção na Ásia. Considere também o impacto no custo e processo para o financiamento das compras ao lojista.

O ponto de equilíbrio 

Como mencionei no item Canibalismo e autofagia, o cenário da forma em que está atualmente indicaria uma desidratação irregular do mercado, penalizando bons e maus lojistas. 

Consequências da falta de política estruturada de preços

Para o fornecedor

Concentração da venda dos produtos em reduzidos canais
Dependência financeira em poucos varejistas
Lojas diminuem ou evitam a compra de produtos que estão com preços ‘queimados’ no mercado
Relação loja x fornecedor sem confiança
Diminuição da atratividade da marca para o varejo
Perda de espaço da marca no varejo físico e consequentemente a experimentação da marca pelo consumidor
Aumento do espaço de marcas concorrentes, estímulo a lojas com viés oportunístico e menos desenvolvimentista

Para o comerciante

    Desidratação setorial
    Menor distribuição de capital para manutenção dos comércios
    Desinteresse de novos empreendedores para o setor

    Online é giro, na loja física, é marca e experiência

    Mesmo sendo evidente a proporção que o comércio digital vem tomando, além de irreversível, a verdade é que algumas marcas do setor começa a encontrar uma melhor funcionalidade do varejo físico, pensando além delas como ‘tradicional’ ponto de venda. 

    O site FastCompany.com publicou em julho de 2022 um artigo que abordava o tema do varejo físico e as marcas. A publicação explica que verdadeiro valor do ambiente de varejo hoje não está mais vinculado apenas ao lucro financeiro direto, que é cada vez mais o domínio do comércio eletrônico. Está no valor menos tangível, mas crítico, do engajamento emocional e experiencial que apenas o varejo físico pode oferecer. Esses elementos mais suaves são fundamentais para estabelecer a lealdade do consumidor a longo prazo, a reputação da marca, a diferenciação e, em última análise, as vendas.

    É o caso de empresas como Yamaha e Sonotec, por exemplo, que consideram a exposição e a experiência do consumidor no varejo físico extremamente necessário para suas marcas.

    Em outros casos, alguns fornecedores, abismados com os resultados no ambiente virtual, vem esquecendo de mensurar o impacto das lojas para suas marcas. Em muitos casos, não observam as lojas como pontos de vivência.

    Qual fornecedor pensa na sustentação do mercado da música?

    Como o renomado consultor de empresas Luis Gaj escreveu em seu livro ‘Lições de Estratégia nas Organizações’: “[…] sempre as empresas manifestam intenção de mudar, mas seus executivos estão tão atarefados que lhes faltam espaço e tempo para poderem desenvolver intuição criativa, inspiração e imaginação”. Desta maneira, a busca do ponto de equilíbrio passa pela reflexão do todo, por um planejamento mais aprofundado que considere o presente e as tendências.

    As empresas responsáveis pela distribuição das marcas devem considerar que, mesmo a compra final seja feita online, não se pode subestimar o contributo das memórias, experiências e emoções associadas ao espaço físico para a venda final. Afinal, “55% dos compradores visitam uma loja física antes de fazer uma compra online”, explicou George Gottl, CEO da UXUS, uma agência global de marcas de varejo. Isso é “influência da marca” – o papel das lojas físicas em tornar os clientes mais fiéis às marcas.

    Fornecedores e lojas fazendo a sua parte

    A globalização, tecnologia da informação e logística vem transformando, além de nós mesmos, as novas gerações em todos os aspectos e, por óbvio, a forma de consumir. 

    O que está em jogo não é somente quem ganhará mais obtendo para si o canal direto para venda ao consumidor, mas a sustentação das marcas e seus valores agregados em design e tecnologia. 

    Enquanto as marcas e empresas fornecedoras mais sólidas do setor se isentarem da urgência de estabelecer uma política estruturada de preços ao nível nacional, a quebra de confiança entre os pontos de venda e a cadeia de fornecimento será uma constante. A pergunta é: quem ficará neste jogo inseguro?

    Teremos o maior prazer em ouvir seus pensamentos

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