À frente de três orquestras, a do próprio Theatro São Pedro, e da Orquestra Jovem, fruto de um projeto social, está o maestro Evandro Matté, também regente da OSPA – Orquestra Sinfônica de Porto Alegre, com quem a Música & Mercado conversou brevemente na visita ao Multipalco.
Ele falou sobre sua atuação, e planos futuros, que serão alvo de outros artigos em breve.
“Eu sempre tive vínculo com o projeto social. Em 2009 comecei a trabalhar na Unisinos, sou músico da OSPA desde 1990, trumpetista, depois me dediquei à regência. Na Unisinos fui convidado a trabalhar desde 2007 na orquestra, e em 2009 lá estruturei um projeto social chamado A Vida Com Arte, que existe até hoje, em São Leopoldo.”
“Obviamente, aqui no Brasil, os projetos sociais que surgiram nos últimos 20 anos têm um pouco de referência do que foi feito na Venezuela, um grande projeto com um sistema de orquestras, que produziu gente maravilhosa – o Dudamel que hoje está em Los Angeles – e gente espalhada por todo o mundo. Isso mexeu um pouco com a música de concerto desde duas décadas atrás”.
A música como inclusão social
“Se começou a pensar também neste tipo de ação, e eu comecei lá em São Leopoldo sempre com um conceito e intuito dos jesuítas; que falam em algo definido como formação integral. Não se trata apenas em se ter graduação ou mestrado em alguma área, e sim a formação da pessoa como um todo. E a música pode contribuir muito pra isso”.
“Não no sentido de que o jovem vá ser músico, mas que ele entenda que dentro do processo da música existe cooperação, amizade, concentração, hierarquia, grupo. Eu acredito muito nesses projetos como formação cidadã, não como formação de músicos. Óbvio que vão surgir talentos, e em se investindo neles automaticamente vão se tornar músicos profissionais”.
“Já há vários exemplos, e eu acredito que isto contribui muito para o país, para a sociedade. Se nós tivéssemos no país o ensino integral da música, na fase fundamental até os 11, 12, 14 anos de idade, no ensino médio, se os alunos tivessem um turno normal de escola e outro com música, tenho certeza que a gente teria uma formação muito melhor do ponto de vista não só do desenvolvimento escolar. Porque a música ajuda – já tem vários estudos que comprovam isso – mas também do ponto de vista de humanidade, de formação como cidadãos”.
O Multipalco de encontro aos projetos
“Eu comecei na Orquestra do Theatro São Pedro em 2018, e desde o início já tinha a ideia de ali fazer um projeto nessa linha. Com o Multipalco já em construção, e várias salas já disponíveis, a Sala da Música, que veio para aportar a orquestra e seus projetos que existiam desde antes do projeto Multipalco, dadas as dificuldades em ensaiar no teatro, sempre ocupado todos os dias”.
“Já quando foi pensado o projeto Multipalco, nas palavras da própria Dona Eva, existiria a Sala da Música, hoje presente para os ensaios, e outros espaços que também que pudessem abarcar outras áreas da Cultura. Em 2018 eu assumi a Orquestra do Theatro São Pedro a convite da diretoria da Associação Pro Música, e em 2019/2020 um pouquinho antes da pandemia, comecei a estruturar o projeto social que se chama Orquestra Jovem Theatro São Pedro”.
“Nele a gente tem musicalização, aulas de instrumento – por enquanto só cordas e percussão – mas quem sabe futuramente consigamos ampliar. As crianças ganham os instrumentos, têm aulas gratuitas, são crianças que vêm de uma situação financeira muito complexa, de uma situação de vida também complexa. Na equipe de 6 profissionais temos a Kelly coordenando toda a parte pedagógica – um caso bem interessante – porque ela própria é oriunda de um projeto social.
“Quando criança começou com aulas de piano neste projeto social, depois se graduou, fez pós, e é uma especialista nisto, tem uma linguagem muito próxima destas crianças com quem ela sempre conviveu. Já estamos então com uma orquestra jovem funcionando, e recentemente a gente teve a ótima notícia de termos conseguido aprovar o projeto da orquestra no Jovem Aprendiz. São 25 jovens, o projeto tem mais de 100, dentre musicalização e todos os atendimentos”.
Leis de incentivos e doações diretas
“A orquestra que é o item mais adiantado são entre 25 e 30, que inclusive vão receber daqui provavelmente a uns dois meses, pelo Jovem Aprendiz uma remuneração mensal como ajuda de custo, além de ter 20 horas semanais de aulas dentro do projeto. Com captação, leis de incentivo, apoiadores, dentre outras formas”.
“A Orquestra Theatro São Pedro tem um plano anual da Lei Rouanet, e dentro deste plano está também o projeto social. Então temos duas frentes; uma é a Lei Rouanet, onde eu consigo colocar compra de instrumentos, cachê dos professores, toda essa estrutura, mas também temos alguns doadores, pessoas que fazem a doação direto, sem lei de incentivo: por exemplo o MBZ Escritório de Advocacia faz uma doação mensal, e algumas pessoas físicas também”.
“A gente faz uma composição entre Lei Rouanet e doação direta. Acho que todo o pessoal que trabalha com cultura aqui no Brasil, de modo geral, nem sempre consegue os recursos diretamente via setor público. Então se tem que buscar patrocínios, apoios, pra conseguir sobreviver e tocar pra frente os projetos”.
“Eu acredito que quando estiver totalmente pronto o projeto Multipalco a gente tem uma tarefa bem importante que é discutir qual é o papel da própria orquestra, porque haverá outro teatro, outro espaço, curso de ópera, a gente tem a OSPA que é uma orquestra de concerto, e talvez no Theatro São Pedro se pudesse focar mais nos elementos de ópera, de ballet, coisas que tradicionalmente o teatro daqui comportaria, nos espaços do Multipalco”.
“Então teríamos que fazer uma avaliação assim, estamos já pensando, em daqui pra frente, qual seria o foco de atuação pra justamente aqui fazer o que a OSPA não faz. Vai ter circo, teatro, dança aqui dentro, daqui a pouco também um coral.”