Conheça o luthier Adriano Guerra, que conta nesta entrevista um pouco sobre sua história e a paixão pela fabricação handmade de instrumentos musicais.
Adriano Guerra (Guarulhos/SP) sempre foi movido pela curiosidade. Desde muito cedo desmontava e construía coisas, começou com brinquedos e logo passou para instrumentos musicais. Quando ganhou seu primeiro instrumento musical – um contrabaixo Golden – passou a realizar a manutenção do mesmo e não parou mais, até chegou a se graduar no curso de Letras, mas a paixão pela luteria falou mais alto.
Iniciou construindo guitarras de corpo sólido, mas a partir de um presente recebido de um amigo – o livro “Making an Archtop Guitar” escrito por Robert Benedetto, renomado luthier americano – passou a se interessar pelos modelos archtop (uma espécie de semiacústica muito apreciada por músicos de jazz).
Desde então, buscou aperfeiçoar sua técnica, estudando e trocando figurinhas com importantes profissionais como Rodrigo Gomes, Gustavo Konno (Klingen Guitars), Carlos Novaes, Eugenio Follman, Sérgio Barbosa, dentre outros.
O resultado de tamanha dedicação e perseverança não tardou a aparecer: suas guitarras chamaram a atenção de Lupa Santiago, guitarrista, compositor e educador que já trabalhou com diversos artistas de renome do cenário jazz nacional e internacional. Recentemente concluiu uma semiacústica para Lulu Santos, sendo que um novo projeto para o mesmo artista ainda está em andamento.
Ao longo da entrevista, ele nos contou um pouco sobre seus contatos iniciais com a luteria e deu alguns detalhes sobre o projeto que concluiu recentemente para Lulu Santos, dentre outros assuntos. Vamos lá!
Como se deu seu contato com a luteria?
Adriano Guerra: Meu pai sempre manteve uma oficina em casa onde ele fazia de tudo. Desde que nasci, sempre tive por perto um serrote, um martelo e uma furadeira, no mínimo. Com 10 anos eu brincava com a furadeira de bancada, esmeril, plaina de mão etc; desmontava e montava minha bicicleta, regulava o freio, remendava ou trocava pneu furado; construía maquete pra trabalho de escola; empolgado com filme do Bruce Lee, fazia nunchaku com cabo de vassoura e pedaço de corrente. Em 1996 ganhei meu contrabaixo (um Golden) e foi natural explorar o instrumento, trocar as cordas, parafusar e desparafusar tudo o que podia nele sem nenhum medo.
Em 1998, meu pai que era fã de música caipira, construiu uma viola copiando as medidas de outra emprestada. Lembro do cavalete ter descolado; colamos de volta e colocamos um ‘rabicho’. Por coincidência, na mesma época, um violeiro que tocava na banda da Inezita Barroso no programa “Viola Minha Viola”, morava perto de casa e meu pai pediu pra ele levar a viola pra ela; numa edição do programa o instrumento ficou exposto no palco e ela agradeceu o presente anunciando o nome dele. Alguns anos depois eu tentei repetir o feito: fazer um contrabaixo copiando as medidas do meu Golden. Depois disso, não conseguir mais parar.
Quando você iniciou na profissão, você já tinha como objetivo se especializar na construção de guitarras semiacústicas e violões?
Adriano Guerra: Depois de ter feito uma meia dúzia de guitarras sólidas, as archtops começaram a me chamar a atenção. Cheguei a fazer algumas coisas só com o pouco que havia na época na internet, meu irmão ampliava imagens que eu encontrava e mandávamos imprimir em tamanho real. Até que por volta de 2008, quando eu ainda não sabia nem importar um parafuso, meu amigo Celso Machado (Oficina G3) me conseguiu o livro “Making an Archtop Guitar” do Robert Benedetto. Levei mais de um ano para fazer a primeira guitarra a partir do livro, e quando terminei, acho que me bateu uma depressão pós-parto, pensei que não haveria público pra isso aqui no Brasil, que ninguém botaria fé em mim. Já estava indo pro lado dos violões quando a namorada de um amigo, em 2012, encomendou uma archtop de presente pra ele. Quando terminei a guitarra, saí mostrando ela para o máximo de músicos que eu pude e, com o retorno positivo deles, aconteceu a virada no meu trabalho com as guitarras acústicas.
Você chegou a fazer algum curso específico?
Adriano Guerra: Sou formado em Letras Português/Inglês e não tinha frequentado nenhum curso de luteria até 2017 quando fiz um curso de regulagem e manutenção com o Rodrigo Gomes (pra quem não conhece, o brasileiro que aparece nos vídeos da StewMac). Em 2019 comecei a dedicar parte do meu tempo trabalhando na Klingen Guitars a convite do Gustavo Konno e lá tive a oportunidade de fazer o curso de programação de CNC ministrado por ele. Além dos livros, aprendi muito frequentando a oficina do meu amigo Sérgio Barbosa, construtor de violões clássicos, antes de ele se mudar pra Mariana-MG; ainda mantemos contato e ele é um eterno parceiro. As bases do verniz aprendi com meu amigo Alecs (Bart) que trouxe o conhecimento de uma marcenaria onde trabalhou muitos anos. De tempos em tempos estou importunando o Mestre Carlos Novaes pra tirar alguma dúvida, escrevendo pro Bob Benedetto, Dan Koentopp, Andy Manson, Eugênio Follmann e aprendendo com eles. O aprendizado é diário, a curiosidade é constante, não dá pra se acomodar.
Quais são os diferenciais de um instrumento com sua assinatura?
Adriano Guerra: Como marqueteiro sou um bom luthier. Prefiro que os instrumentos e meus clientes falem por si (hoje com as redes sociais isso é bem possível). Mas pra não passar em branco, posso dizer que meus instrumentos tem personalidade, sempre tento não ser uma cópia genérica de algo que já existe.
Na maioria das vezes as madeiras utilizadas em tampos de violões ou guitarras semiacústicas são de origem estrangeira (spruce, abeto, maple, dentre outras). Existem madeiras brasileiras boas para esta finalidade? Quais espécies você destacaria?
Adriano Guerra: A araucária parece ser uma boa, adoraria experimentar, mas é difícil encontrar. Às vezes aparece alguma peça de demolição, mas com medidas que não dá pra usar. Um amigo já usou em violão tendo resultado excelente e pra variar os compradores queriam desvalorizar o instrumento por ter uma madeira brasileira no tampo. O eterno preconceito…
Recentemente você finalizou a construção de uma guitarra semiacústica para o Lulu Santos. Você poderia nos contar um pouco sobre esse projeto? Ele é um cara muito exigente, que participa e opina sobre o processo construtivo?
Adriano Guerra: Como trabalho na Klingen, tive o privilégio de já ter uma noção do que o Lulu gosta ou não gosta e o que anda procurando; quando ele entrou em contato comigo, já estávamos fazendo a segunda stratocaster dele (até eu terminar a semiacústica viriam mais três stratos!). A conversa partiu de uma Gibson 330, que é uma das guitarras preferidas na coleção dele. Ele me deu liberdade pra manter meus moldes. As madeiras e ferragens foram escolhas minhas, somando estética, conforto e ressonância. Só a captação ele colocou em dúvida: inicialmente eu pretendia instalar algum tipo set de PAFs em contraposição as stratos, mas mudamos pra minihumbukers da Lollar, indo pra algo mais definido e brilhante. Coloquei frisos em maple por toda a guitarra e encravei com madrepérola dois dos símbolos que ele tem usado, a rosa no headstock foi ideia dele e o infinito na escala minha escolha. No começo ele tinha sugerido uma cor no tampo e na última hora ele mudou para o degradê laranja; tive que me virar nos 30, mas deu tudo certo e o resultado ficou muito legal! Agora fica a expectativa de alguma aparição dele com a guitarra, quem sabe… Enquanto isso, estamos discutindo a próxima, agora vamos fazer uma guitarra totalmente acústica.
Quais são os planos para 2020?
Adriano Guerra: Meu plano pra esse ano é zerar minha fila de espera, dar uma respirada, ver a praia que não vejo há cinco anos e recomeçar com um novo sistema de trabalho baseado nas lições dos últimos tempos.
Para finalizar, gostaria de destacar minha parceria com o guitarrista e educador Lupa Santiago. Em 2013, meu amigo Márcio Menechini, produtor aqui em Guarulhos, me disse que eu precisava levar meu trabalho pra alguém que tivesse referência e pudesse avaliar o que eu estava fazendo e me indicou o Lupa que, além de avaliar positivamente uma archtop que eu tinha acabado de terminar, acabou apostando e investindo em mim encomendando uma guitarra. Meses depois de entregue a primeira, ele encomendou uma segunda. Essas guitarras já foram usadas em estúdio e apresentações pela França, Suécia, Holanda, Inglaterra, Israel e, aqui no Brasil, em lugares como Bourbon Street e The Blue Note, sem contar os festivais em diversas cidades, o que tem contribuído para a divulgação e reconhecimento do meu trabalho.
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*Autor: Álvaro Silva, apaixonado por música, guitarra e luteria. Criador do blog Guitarras Made In BraSil – espaço dedicado à divulgação dos trabalhos de profissionais brasileiros que produzem guitarras, contrabaixos e violões custom shop.