Como estão se comportando as pessoas em casa? Em particular: como mudou o consumo de música digital neste período?
O distanciamento social por conta do Covid-19 em São Paulo iniciou na semana de 16 de março (a Tratore entrou em trabalho à distância em 17 de março). No final de semana seguinte houve um decreto municipal fechando o comércio, seguido do decreto estadual na segunda-feira. Já se passaram dois meses, portanto.
Na época, a Tratore anunciou várias medidas para tentar compensar o total derretimento do negócio da música ao vivo e amenizar um pouco as perdas financeiras dos artistas, como um bônus especial nos relatórios e a isenção de taxas de cadastro para os distribuídos durante este período.
Antes do mês de março, o consumo de música digital nas plataformas de streaming (aquelas em que você não compra a música, mas apenas paga uma taxa para ter acesso, como o Spotify, a Deezer e a Apple Music) seguia um padrão semanal bastante previsível: nos fins de semana e feriados havia um pouco menos de atividade e o consumo se concentrava durante a semana, em particular na sexta-feira, dia em que tradicionalmente se lança música nova (conhecido no ramo como New Music Friday).
Então, o gráfico da semana era mais ou menos assim:
Este é um gráfico de número de plays aproximados nas plataformas e não tem necessariamente a ver com o faturamento, que é calculado por rateio.
E o gráfico de diversas semanas fica com essa cara, mais ou menos:
Por que as pessoas ouvem menos música nos fins de semana? Não seria normal esperar o contrário? Na verdade, não. As pessoas dirigem mais durante a semana, pegam mais transporte coletivo durante a semana, podem estar trabalhando num cubículo ou dentro de um caminhão, ou seja, coisas que fazem com que se ouça mais música. E no fim de semana, antes de março, era comum ficar em casa e arrumar as coisas, ver filmes, cozinhar, cuidar das crianças, ver os amigos… Algumas dessas coisas deixamos de fazer, mas outras continuamos fazendo.
Analisando os dados reais da Tratore de fevereiro até maio, temos o seguinte:
Pode-se ver claramente nos 45 dias anteriores ao distanciamento o padrão repetitivo das semanas mostrado acima, interrompido por um soluço durante o carnaval, mas a periodicidade é bem clara. Isto segue até o distanciamento, e a partir daí não existe mais nenhuma periodicidade e o comportamento do streaming passa a ser totalmente imprevisível. Temos picos nas sextas como antes, mas também nos sábados e até nos domingos. O que está acontecendo?
Primeiramente, a média de audições caiu um pouco, aproximadamente 8%. A linha mostra a média anterior e a nova:
Isso já foi identificado em outras análises de outros agregadores e gravadoras. O consumidor está ouvindo um pouco menos de música. Por quê? Um palpite inicial era que os planos de assinatura de streaming estivessem sendo cancelados como medida de economia frente a uma possível ou real crise financeira. Mas não.
Duas coisas nos levam a pensar diferente disso. Em primeiro lugar o numero de audições não está caindo mais. Ele se moveu abruptamente para um novo patamar e parou por aí. Um movimento frente a uma crise seria diferente. Os ouvintes cancelariam seus planos gradativamente conforme fossem sentindo dificuldade em pagar. Isso, portanto, não explica.
Além disso, essa queda de 8% no streaming foi igual em todos ou quase todos os países.
Uma possibilidade de explicação aparece quando olhamos a média dos FINS DE SEMANA no período anterior ao confinamento.
A linha cinza mostra a média de número de streams apenas durante os fins de semana, mais baixa portanto do que a média geral. Este é o patamar para onde foi o novo consumo de música. Na verdade, o consumo se reduziu para os patamares dos fins de semana, agora em todos os dias. Isso vale para a Tratore e os números utilizados se referem apenas à Tratore. Seria interessante saber se outros agregadores estão vendo o mesmo.
Isto não tem necessariamente reflexo no faturamento das plataformas, uma vez que o cálculo de faturamento se dá por rateio e é função do número de assinaturas pagas e publicidade veiculada e não do numero de faixas ouvidas. Como o ciclo de pagamento é mais lento que o ciclo de reportes sobre o número de plays, ainda não temos como fazer esta análise.
O consumidor passou a consumir música como consumia nos fins de semana, só que agora todos os dias. Aqui na Tratore passamos a chamar isso de “efeito Morrissey”: Everyday Is Like Sunday, todo dia é domingo.
Perguntas ainda a responder:
- mudou o faturamento?
- mudou o crescimento das plataformas?
- mudaram os gêneros mais ouvidos?
- mudou a composição de faixa etária do streaming?
- mudou o BPM? (estamos ouvindo mais musicas lentas? Ou mais rápidas?)
- algum artista se destacou de repente durante a pandemia?
- o que é mais importante? Lançamentos ou catálogos? Isso mudou?
- as lives estão tendo efeito no consumo de streaming?