No capítulo anterior, começamos a falar nas Digital Audio Workstations, e hoje dedicaremos o texto para o Logic Pro.
Na edição passada abordamos um editor de partituras, o Sibelius. Quando a chamada Computer Music bombou, na década de 80 do século passado, tinha-se programas sequenciadores, programas gravadores de áudio e programas editores de partituras. Rapidamente os desenvolvedores tentaram reunir estas 3 funcionalidades – sequencer, gravador e editor de partituras – nas então denominadas DAWs – Digital Audio Workstations.
Uma das mais conhecidas e reconhecidas DAWs à disposição no mercado foi o Logic Pro, tem sua origem muito ligada aos editores de partitura, e na sua atual versão (10.4) mantém um bom editor de partituras e tablaturas, que usa o MIDI e o formato .xlr (padrão entre os editores de partituras e tablaturas), além de uma biblioteca de “bracinhos” de violão, guitarra e outros instrumentos de cordas, muito populares entre os músicos instrumentistas que usam estes instrumentos.
Algumas deficiências estão ainda presentes, como o importante recurso de transposição, que precisa se valer do MIDI no Logic Pro. Mas as qualidades superam de longe os defeitos, e se pensarmos na relação custo-benefício, nenhuma outra DAW reúne a quantidade de recursos da atual versão ao módico preço de 200 dólares. Mais ainda: o GarageBand, gratuito para os usuários Apple, interage com o Logic tanto no sistema operacional OS X como no iOS.Isso significa que um usuário de iPhone ou iPad pode começar um projeto no seu gadget, exportá-lo para o iCloud, e reabri-lo no Logic Pro para continuar o trabalho com mais recursos. Obviamente temos amantes de Bill Gates a dizer que o Mac é caro, sempre se esquecendo dos significativos valores que a Microsoft cobra por seus programas, e, na ponta do lápis, o valor de um PC rodando Windows com todos os seus apps se equipara ao de um Mac simples como o Mac Mini.
A HISTÓRIA DO LOGIC
A história do desenvolvimento do Logic Pro tal como o conhecemos hoje passa por uma grande metamorfose envolvendo sistemas operacionais ultrapassados, marcas de computadores hoje inimagináveis e hardware curioso. E, claro, pela eterna batalha entre a Apple e a Microsoft…
NA ESCURIDÃO DO DOS
Em 1988 chegou aos EUA, vindo da Alemanha, a versão 1.12 de um editor de partituras chamado Notator. Foi um grande evento para quem tentava fazer música eletrônica em computadores. O programa foi desenvolvido por uma empresa chamada C-LAB, mais tarde conhecida como Emagic, enquanto o software chamava-se Notator Logic (daí a origem do nome). A Digidesign era sua distribuidora nos EUA à época.
Houve também uma versão que o antecedeu um ano ou mais, chamada Creator, que era como o Notator sem o editor de partituras. O Creator ganhou comentários elogiosos nas revistas especializadas, mas quando o Notator chegou, rapidamente se tornou o programa adequado para lidar com o crescente número de arquivos MIDI profissionais. Até então os sequenciadores eram brutos e desajeitados ou de difícil navegação, com poucos ou nenhum gráfico, além de não usar o mouse.
O Notator era como um sonho tornado realidade em relação à facilidade de uso. Tinha telas limpas com exibição paperwhite (como o Mac, mas maior) e suas funções MIDI complexas eram não destrutivas. Era também relativamente caro: o Notator 1.12 tinha preço sugerido de US$ 649 e no início havia pouca concorrência na sua classe.
Enquanto várias empresas tiveram sequenciadores e pacotes de notação, nenhum era tão bem integrado como o Notator. O Atari ST tinha sequenciador e editor de partituras em parcerias com a Steinberg/Jones, Dr.T, Intelligent Music, Hybrid Arts e Sonus, mas eram programas separados. Apareceu o Performer da MOTU (US$ 495), que juntamente com o Vision, da Opcode, tinha interface gráfica.
Pelo lado da notação para Mac, surgiu o Finale 1.0 (US$ 1.000!). Na plataforma PC vieram as primeiras versões do Cakewalk e do Master Tracks Pro 3.0 (US$ 395). Para a notação a Passport lançou o Score 2.0 (US$ 795) e o Copyist 1.5 por “apenas” US$ 395. Vejam que isso aconteceu antes do lançamento do Windows 3.1, com os PCs bombando no mercado. Até então esses programas rodavam na escuridão do DOS, em computadores com 640 Kb de RAM. O computador musical Yamaha C1 já tinha poderoso 1 Mb de RAM. O Notator de 1985 rodava apenas em um Atari ST com 1 Mb de RAM, surgindo depois a versão Mega ST com 2 Mb de RAM.
Várias opções começaram a pipocar, como um expansor chamado Export, com 3 saídas MIDI, e o Unitor-N, que possuía 2 MIDI IN e 2 MIDI OUT com sincronização SMPTE/EBU. O Notator chegou a incríveis 3 MIDI INs e 9 MIDI OUTs, com 144 canais MIDI. Um assombro!
O FIM DA ERA ATARI
O Notator 3.0 era composto por partes como o Notation Editor, um Event Editor, um Matrix Editor e o Hyperedit, um esquema multitarefas chamado Softlink, que se integrava com outros softwares na Library. Um dos programas que se dava bem com o Notator era o XoR da Dr. T’s. Com o Softlink podia-se selecionar um patch em um editor externo de patches enquanto um projeto estivesse rolando, e o Softlink o canalizava para a track. Já rolava Sysex. O editor/livraria da Emagic chamado Polyframe era muito usado em versões beta, sendo o precursor do SoundSurfer, que posteriormente também virou SoundDiver, lançado depois do Logic. O Notator era conhecido por ser um programa estável, sem muitos bugs, como o que às vezes parava as canções quando os buffers MIDI se entupiam e soltavam uma cacofonia de efeitos MIDI aleatórios. E ainda havia o bug do cursor do Atari, que fazia clique-clique-clique por algum tempo antes de travar a máquina. Mas o calcanhar de Aquiles do programa era sua exclusividade em rodar no Atari. Não que a máquina fosse ruim. Ainda hoje profissionais consideram o Atari’s MIDI Timing Engine muito bem integrado com suas portas MIDI, de modo superior às de Macs e PCs.
Enquanto isso, os programadores dissidentes do C-Lab’s formaram uma nova empresa, a Emagic, que nasceu em fóruns de discussão onde Gerhard Lengeling, Bob Hunt e outros da Emagic postavam. Esse pessoal garantiu aos usuários do Notator que não seriam deixados ao léu, lançando em 1993 o conceito de multiplataforma, que se chamaria Notator Logic. O “Notator” logo foi abandonado para o nascimento do Logic.
O hardware ainda era o Atari, para o qual foi lançada a versão 1.5 junto com a versão final do Notator (3.21). “Vá trabalhar com um sorriso” era o slogan do Logic. Muitos seguiram o mote mesmo considerando as noites em claro, a aprendizagem de uma nova e intensa arquitetura de sequenciador, com montes de cabos, saídas e entradas MIDI “re-roteáveis”, transformadores, arpegiadores, mixers, seletores de programas etc. Uma ideia incrível, não realizada por muitos sequenciadores mais modernos. Foi então que a plataforma Atari começou a ficar obsoleta – devido à popularidade do Windows e seus processadores 386 e 486, à alta resolução de gráficos coloridos e às possibilidades de áudio digital.
COMEÇA A GUERRA WIN X MAC
Durante um período movimentado de lançamentos de computadores e softwares, a Emagic levou o Notator Logic para o Mac. A versão 1.6 foi lançada no início de 1993, parecendo ser exatamente como a versão do Atari. Um ano depois, no inverno de 1994, foi lançada a versão 1.7 – projetada para o Mac System 7, requerendo 8Mb de RAM e no mínimo um Mac 68030. Um espetacular tamanho de HD com 600 Mb era o mínimo recomendado. Esse foi um evento marcante, com o áudio finalmente chegando ao Logic trazido pelos desenvolvedores da Sound Tools, que dariam origem ao Pro Tools. As principais placas de áudio para o Logic foram a AudioMedia I e II, SoundTools 2 e o novo Session 8 da Digidesign. Dependendo da placa escolhida, poderia ter de 4 a 16 canais de áudio.
Corria o ano de 1995 e a guerra entre PCs com Windows e os Macs começava, com os processadores 386 e 486 suportando o Windows 3.0. As primeiras versões do Logic para PCs se mostravam muito distantes das versões para Mac, pois só trabalhavam com MIDI e não tão bem como os Atari. A Emagic oferecia versões crossgrade de Atari para Mac ou PC, as versões 2.0 e 2.2. Já no Mac, a refinada versão 2.5 já usava o Sound Manager da Apple em vez da placa da Digidesign, muito cara.
Eram os dias dos Mac Centris e Quadra, que custavam duas vezes mais do que um PC 486DX2. O Logic para Mac já tinha muitas características interessantes, como quantização de áudio, o Time Machine, Audio Energizer, Silencer e conversão Audio-MIDI e Audio-Score (partituras), que chegariam até a versão 7.0 do Logic.
No final de 1996 o Logic 2.5 migrou para o PC com os novos processadores Intel Pentium, uma configuração típica de P90 com 16 Mb de RAM, mais um HD rápido. A famosa placa Soundblaster AWE32 não segurava a onda e surgiram as da Turtle Beach, como a Tahiti, ou as da Digital Audio Lab. Não eram dias bons para gravar áudio em PCs. As encrencas para produzir com áudio variavam de bugs, com a implementação DAE nos PCs ao uso do Logic 2.5 no Atari para MIDI junto com um PC rodando Windows 3.1 para gravações de áudio multipistas sincronizadas com time code.
Com o lançamento do Windows 95 o áudio começou a ganhar espaço nos fóruns de discussão na internet, onde o tema eram as revoluções com software, hardware e drivers, com todo mundo querendo abandonar seus sistemas de áudio – muito caros para trabalhar em PCs. Mas a coisa não rolava. Foi quando a Emagic resolveu lançar sua própria placa de áudio, a AudioWerk 8, com 2 entradas e 8 saídas com S/PDIF.
BYE BYE WINDOWS
A placa AudioWerk 8 da Emagic soava muito bem nos Macs, mas deixava a desejar nos PCs. Surgiu então a Korg 1212 para Macs – e a versão 3.0 do Logic prometia a tão desejada integração entre MIDI e áudio. Com 11 efeitos, os embriões dos atuais plug-ins, entrava na briga com o seu rival Cubase e sua poderosa tecnologia VST. O Logic 3 tinha equalizador de 7 bandas, delay, flanger, chorus e reverb. Equalizadores e delay eram tão bons, que o Logic começou a ser usado em estúdios como sequenciador de áudio. A versão 3.5 incluía o Adaptive Mixer, crossfades não destrutivos e a possibilidade de usar plug-ins DX (em PCs) e VST.
O Logic 4.0 trouxe novos plug-ins com versões Platinum, Gold, Silver e MicroLogic. Os usuários de PCs podiam usar vários tipos de drivers, como PC AV, AW, ASIO, EASI e outros, se tivessem a versão Platinum. Isso incentivou o aparecimento de diversas placas de áudio, e as latências começaram a diminuir significativamente com a estabilização do Windows 98 com CPUs com 1 GHz e os plug-ins da Emagic, tais como compressor, Fat EQ, Overdrive, Bitcrusher, Auto Filter, Spectral Gate, En-Verb, Platinum Verb, Phaser, Tape Delay e o famoso EXS Sampler fazendo enorme sucesso no mercado.
O Logic 4.5 refinou ainda mais as experiências com opções para trabalhar com surround 5.1 e 7.1 e incorporando “input objects”, ou seja, o mixer de áudio podia conectar processadores externos e sintetizadores, tornando finalmente possível fazer mixagem sem um mixer em hardware, se houvesse entradas suficientes.
A Emagic trocou seu velho dongle de segurança pelo XS key, que gerenciava as autorizações, aposentando o velho CD. No final da série de versões 4, foi lançado o Windows XP, que rodava o Logic 4.8 com um Update. Mas os usuários de Windows ainda experimentavam os tradicionais paus de transição entre as versões 3.1 para 95 e do 95 para 98. A versão 5 do Logic foi a última na plataforma PC e a Emagic lançava sua interface de áudio USB 1.1 com 24 bits, 2 entradas e 6 saídas e S/PDIF coaxial.
O USB era ainda uma criança, mas soava bem, sendo a transição parecida com a chegada das placas Audiowerk 8 da Emagic. Alguns usuários sem problemas com o bolso ousavam adquirir laptops Toshiba Satellite e passavam dias tentando fazê-los conversar com o Logic, rolando apenas 2 tracks de áudio. A Emagic ainda lançaria no final do século XX a placa EMI 6/2, com 6 entradas e 2 saídas.
LOGIC 5.0 – CUJOS ARQUIVOS O LOGIC PRO X AINDA ABRE…
A principal diferença entre o novo sistema de automação do Logic 5 e seus antecessores era a automação – que no 5 não era mais baseada em objetos, e sim em tracks, não sendo mais necessário estar em modo de hiperedição para fazer curvas do controlador. Era mais rápido fazer qualquer tipo de automação, seja volume simples e pan, ou complexas modulações de sintetizadores, ou ainda mais exótico, automatizar os parâmetros dos plug-ins VST.
Foram criadas novas ferramentas de masterização e os novos métodos de mixagem foram melhorados por novas ferramentas, que podiam ser totalmente automatizadas para finalizações em estéreo ou surround. O Stereo Spreader podia ser aplicado em qualquer pista estéreo para ampliar a imagem, mais ou menos como a aplicação de uma lente de câmera infinitamente variável para a mixagem. O que era uma imagem de frente em linha reta de repente se tornava um grande panorama. O De-esser limpava o que se sacudia nas altas frequências. O Limiter e o Adaptive Limiter forneciam som o mais alto possível sem distorcer na mix. Esse plug-in ia no final da cadeia e permitia que se obtivesse o volume máximo sem overs. Ele domava os picos acima do limiar escolhido, e o Adaptive Limiter adicionava uma coloração tipo analógica em sons vintage.
O Multipressor era um compressor completo multibanda onde não apenas era possível ajustar o ganho e todas as funções de compressor para cada banda, como até configurar pontos de crossover. Cada banda pode ser solada/mutada, mais fácil de configurar do que o Waves C4. O SubBass reforçava e ampliava o conteúdo de graves de um sinal de áudio na faixa de sub-harmônicos. O Denoiser removia ruídos indesejados em um sinal de áudio sem comprometer a qualidade do remanescente. Também podia ser usado como um filtro inédito quando mexia com altas frequências harmônicas.
Novos plug-ins e sintetizadores em software também entraram no pacote da versão 5. A Emagic anunciou na época que um Undo múltiplo fora testado e seria incluído no Logic 5.0. Durante anos os porta-vozes da Emagic no LUG (Logic User Group) disseram que esse recurso exigiria uma reescrita total de código do Logic, algo parecido com o que aconteceu recentemente entre as versões 9 e X (10). O novo recurso Undo seria implementado para a maioria das áreas do programa, exceto para as funções que envolviam a alteração (edição destrutiva) de arquivos de áudio. Você podia tentar algumas transformações exóticas de sequências MIDI, como escala de todas as notas para um novo valor de intervalo e, claro, ajustar a nova automação. Se ela não funcionasse, você podia voltar em seu trabalho, tornando-o mais musical e criativo.