Dando continuidade à nossa série de artigos sobre home studios, vamos analisar uma peça essencial para o seu bom funcionamento: seu operador. Isso mesmo: você.
Muitas vezes um equipamento caro e sofisticado se encontra frente a frente com uma pessoa despreparada para operar, por falta de conhecimentos que podem muito bem ser adquiridos, se não em cursos – que podem ser bons ou ruins – em uma estratégia de estudo pessoal bem articulada.
O operador de um home studio deve reunir conhecimentos em três áreas:
Musical: Escalas, Intervalos, Harmonia, Contraponto, Análise, Instrumentação, Arranjo, Orquestração, Composição, etc.
Técnica: Física Acústica, Áudio, Informática, Idiomas, Eletrônica, Eletricidade, Linguagens de Programação, etc.
Prática: a reunião das duas áreas anteriores em trabalhos práticos com o uso de hardware e software.
Os cursos de áudio no Brasil estão passando por uma estruturação, de forma a incluir em sua grade curricular um terço de matérias musicais. Desde o desenvolvimento da mixagem na época dos Beatles, estas matérias vem sendo colocadas em segundo plano, e as técnicas estiveram sendo tratadas como prioridade. Entretanto, os próprios engenheiros de áudio, em todo o mundo, percebem agora a importância da harmonia, percepção musical, rítmica, contraponto e até mesmo a psico-acústica na sua formação e durante o trabalho.
Na 18a. Convenção e Exposição da AES – Audio Engineering Society, realizada em São Paulo no mês de maio de 2014, uma das atrações foi o painel sobre grades curriculares na educação de áudio, que discutiu como se deve dar formação teórica e técnica para vários trabalhadores do áudio, de auxiliares e assistentes de áudio e engenheiros de mixagem e masterização. Para ficar apenas em um exemplo, a mixagem passou a ser vista como um arranjo de frequências, com raízes nos próprios arranjos musicais.
Desde então, ficou evidente que todos os níveis de trabalhadores com áudio devem ter também formação musical básica, sem a qual simplesmente não entendem o que se passa no palco e nos estúdios. José Augusto Mannis, que respira o ambiente musical do Departamento de Música da UNICAMP e é conselheiro da AES, não poupou explicações para defender a música na grade curricular, apontando em detalhado estudo como as matérias musicais estão presentes em todas as grades das instituições de ensino avaliadas.
Foram analisadas as grades curriculares de escolas internacionais e nacionais como Conservatoire National Supérieir de Musique et de Danse de Paris, MTSU-Middle Tennessee State University-EUA, FATEC Tatuí-SP, Universidade Barros Melo, Recife-PE, Universidade Católica de Pelotas-RS e Universidad ORT, Uruguai. As matérias foram divididas em 3 grandes grupos: as de música propriamente ditas, como harmonia, contraponto, percepção etc., as de física acústica, eletrônica e informática, e a aplicação prática de toda a teoria.
Assim sendo, na base de qualquer curso de homestudio, produção musical, computer music, áudio digital e outros, desde os mais simples voltados para iniciantes até os que têm como alvo os profissionais, carecem de uma reestruturação. Marcelo Claret, diretor do IAV – Instituto de Áudio e Vídeo, umas das mais respeitadas escolas do setor em São Paulo, confessou ter deixado o curso de engenharia para construir sua própria grade curricular na escola da vida prática, como quase todos os profissionais gabaritados no Brasil.
É chegada a hora de compositores, músicos, arranjadores, operadores e engenheiros de áudio se darem as mãos, e uma das grandes lacunas destes últimos – os que não se originam da área musical, pelo menos – poderá ser preenchida por cursos que levam em consideração os esforços no sentido da produção musical ser feita pelos que se qualificarem para produzir música, e não apenas dominarem o hardware e software musical, que cada vez se torna mais carente dos procedimentos musicais típicos, em todos os níveis.
A grande polêmica atualmente se resume às diferenças entre músicos e compositores e técnicos e engenheiros de som. Moses Avalon, figuraça do áudio e produção musical mundial, cita curiosidades sobre técnicos de som e compositores, com bom humor e sarcasmo, decerto baseados nos anos de experiência entre os dois pólos, o que exige algum grau de paciência, resiliência e resistência aos egos insuflados de ambas as partes:
Compositores
A maioria não canta bem.
Um compositor de sucesso ganha mais dinheiro em um ano do que o presidente dos EUA nos quatro anos de mandato.
A maioria não sabe a letra de “Louie Louie” (uma canção super conhecida nos EUA, como é aqui Asa Branca).
O presidente Bush sabia a letra de Louie Louie e a citava em discursos.
Engenheiros de Som (no Brasil, Técnicos de Som)
Em geral sabem mais de eletrônica do que pilotos de avião.
A parte mais importante de um projeto de gravação de meio milhão de dólares – configurar a eletrônica do sistema de gravação – é muitas vezes feita por um estagiário de engenharia (técnica) de som, que ganha um salário mínimo.
Muitos engenheiros são viciados em Jornada nas Estrelas e videogames.
Longe de comparar minha experiência com a de Moses Avalon, posso adiantar que mais da metade do tempo das minhas aulas de produção musical são usadas para resolver:
-Travamentos do Windows
-Problemas com sistemas operacionais e programas piratas
-Conexões incorretas de cabos entre periféricos e computadores
-Traduções de artigos, manuais e tutorias do inglês para o português
Então o estudo deve ser muito bem organizado, depois de organizado seguido, depois de seguido atualizado, e a atualização é constante e eterna. Diariamente são lançadas novidades no mercado, seguidas de clones, genéricos e similares, sejam aplicativos, microfones, sistemas com fio, sem fio, com e sem desafios técnicos, financeiros e operacionais. Logo, o operador reúne em si os poderes executivo (opera e comanda), judiciário (avalia e resolve) e legislativo (cria procedimentos e estabelece sua rotina).
Há alguns bons cursos de áudio, produção e acústica no país. Nos últimos 15 ou 10 anos começaram a aparecer seus clones, periféricos e similares. Geralmente concentrados no eixo Rio-SP, os cursos originais têm um custo relativamente alto, e mantêm um entrosamento para evitar a concorrência desleal com preços sendo rebaixados como nos clones, periféricos e similares, hoje encontráveis às dúzias até nas redes sociais. É o chamado dumping social, já estudado como crime pelos legistas especializados.
Talvez o melhor caminho para o operador seja frequentar alguns desses cursos, mas sem deixar de procurar outras fontes de estudo, sejam eles livros (com os empecilhos do idioma, os melhores livros são em inglês), vídeo-aulas e tutorias (de preferência as produzidas pelos fabricantes e desenvolvedores de equipamentos e aplicativos), e revistas especializadas, que temos também nacionais, como a Sound On Sound BR, Música&Mercado, Música&Tecnologia e Backstage.
Insiro aqui o conteúdo do artigo do José Augusto Mannis – Grades Curriculares na Educação em Áudio – para uma visão geral do que seria uma formação ideal dos operadores, tanto de home studios como os de médios e grandes estúdios, pois com certeza muitos dos que estão iniciando seu caminho terão um amplo universo de trabalho, seja captando o áudio até a moderna distribuição do áudio em streaming, encontrando-se com o caminho do sinal do áudio:
Grades Curriculares na Educação em Áudio
RESUMO
Esta sessão se propõe a refletir a partir currículos de cursos de formação superior em áudio sobre uma eventual base mínima de disciplinas fundamentais que caracterizariam um eixo comum balizando a estruturação de futuras grades curriculares em cursos superiores de áudio e produção fonográfica.
0. OBJETIVO
O objetivo desta oficina é reunir, analisar e discutir os currículos de cursos de formação superior em áudio comparando grades curriculares das seguintes instituições (cursos e duração): Conservatoire National Supérieir de Musique et de Danse de Paris (Formation Supérieure aux Métiers du Son: 4 anos) [1], MTSU – Middle Tennessee State University – EUA (Recording Industry – Audio Production: 4 anos) [2], FATEC Tatuí – SP (Tecnologia em Produção Fonográfica: 6 semestres – 3 anos) [3], Univ. Barros Melo, Recife – PE (Produção Fonográfica: 5 semestres – 2,5 anos) [4], Universidade Católica de Pelotas – RS (Tecnologia em Produção Fonográfica: 6 semestres – 3 anos) [5], INACAP – Universidad Tecnológica de Chile (Ingeniería en Sonido: 10 semestres – 5 anos) [6] Universidad ORT, Uruguai (Técnico en Diseño de Sonido: 3 anos) [7], para subsidiar futuras implementações ou adequações de grades curriculares abrangendo a educação em áudio.
É preciso salientar que o currículo da MTSU aqui analisado é o currículo básico de General Education e Recording Industry que em seguida se abre para três especializações: Audio Production; Music Business; Comercial Songwriting, compreendendo um ciclo complementar de estudos. As disciplinas aqui analisadas foram somente aquelas presentes no ciclo básico de estudos da MTSU. Grades curriculares de cursos semelhantes em outras instituições poderão ser acrescidas a este estudo preliminar.
1. PÚBLICO ALVO
Docentes, pesquisadores e discentes universitários. Acesso livre ao público da AES.
2. DINÂMICA DA ATIVIDADE E METODOLOGIA
Apresentação e análise de algumas grades curriculares. Reflexão, discussão e análise crítica
Duração de cada curso. A duração total dos cursos analisados variou entre 5 e 10 semestres – 2,5 e 5 anos. A média ponderada é de 7 semestres – 3,5 anos.
Eixos setoriais das grades curriculares (tempo total dedicado a cada setor) As disciplinas analisadas foram inicialmente divididas em três grupos: Fundamentos Musicais – abrangendo Teoria musical, Percepção musical, Apreciação musical, História da Música, Harmonia, Contraponto, Orquestração, Análise musical, Música popular; Fundamentos científicos e tecnológicos – Física (acústica geral, acústica de salas, mecânica e eletromagnetismo), Psicoacústica, Eletricidade, Eletrônica, Eletroacústica, Cálculo, Análise matemática e estatística, Processamento de sinal, Computação e Programação, Filosofia, Ética, Estética, Antropologia, Cultura popular, Comunicação, Direito, Legislação, Direito autoral, Contratos e procedimentos legais, Administração, Empreendimento, Metodologia de pesquisa, Indústria cultural, Processos editoriais; Ensino Prático – Manutenção de estúdio, Tomada de som, Microfonação, Laboratório de Produção fonográfica e Pós-Produção, Gravação multicanal, Edição, Mixagem, Masterização, Produção de Audio em vídeo e filmes, Sonorização, Laboratório de Eletroacústica, Design de sistemas e projetos, Audio para Radio e TV, Elaboração de roteiro, Realização documental, Projeto ou seminário de final de curso, Direção artística, Escuta crítica, Prática musical (instrumental, composição, arranjo).
O gráfico da Figura 2 foi ordenado por ordem decrescente de atividades de Ensino Prático, por ser esta a área de maior concentração de disciplinas específicas à tecnologia de áudio e à produção fonográfica. Essas áreas de atividades de ensino estão presentes no decorrer dos currículos à razão de: Fundamentos musicais 65% do curso; Fundamentos científicos e tecnológicos: 79%; Ensino Prático 81%. Isso indica que nas grades curriculares analisadas encontramos sobreposições entre as áreas.
Grupos de disciplinas Música – Comunicação – Idiomas : Tempo dedicado a cada grupo em relação à duração total do curso.
Nesta classificação as disciplinas foram ordenadas por suas respectivas áreas do conhecimento, independentemente do caráter fundamental ou prático, a não ser para a Prática de Áudio e Trabalho, seminário ou estágio de Conclusão de Curso (TCC).
Os currículos não compreendem disciplinas denominadas precisamente como Equipamentos e softwares, sendo este domínio subentendido no âmbito de disciplinas como, por exemplo: Técnicas de gravação – na qual pressupõe-se que sejam abordados os tipos de microfones e suas diversas funções, como posicioná-los e ajustá-los com parâmetros de corte de baixas frequências, atenuação e diretividade. Mixagem na qual estuda-se preliminarmente o funcionamento de uma mesa de mixagem, seus princípios de funcionamento e as configurações adequadas para cada caso específico de aplicação. Tomada de som multicanal – onde a operação de aplicativos de gravação digital certamente estará no seu programa. Desta forma foram classificadas disciplinas subentendendo sua relação com Equipamentos e softwares. Da mesma forma TCC abarca todos os casos de trabalho de final de curso, seja uma monografia, um seminário ou um estágio, por se tratar de uma realização na qual o aluno deverá reunir diversos conhecimentos adquiridos e elaborar uma síntese, produto de diversas aptidões e ferramentas agregadas durante o curso a seu rol pessoal de habilidades.
Grupos de disciplinas (Ciências Exatas – Ciências Humanas e Sociais Aplicadas – Gestão e Produção) Tempo dedicado a cada grupo em relação à duração total do curso.
Grupos de disciplinas (Equipamentos e Softwares – Prática de Áudio – TCC). Tempo dedicado a cada grupo em relação à duração total do curso.
O valor médio da programação de cada uma dessas categorias de disciplinas foi calculada somente a partir dos currículos nas quais as mesmas estavam presentes, não considerando quantitativamente os currículos nos quais estavam ausentes. Para a média em porcentagem, portanto, foi considerado apenas o numero de currículos contendo um mesmo item, ignorando os demais. Isso evitou que as médias fossem falseadas para baixo, pois uma ocupação de 0% da grade curricular não significa necessariamente uma menor dedicação ao item analisado, mas, na verdade, que o item está fora do escopo especifico do curso.
3. CONVIDADOS
Docentes e egressos de MTSU, FATEC-Tatuí, USP, UNICAMP, IAV – Instituto de Áudio e Vídeo (SP) e dois representantes do SATED/SP – Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões no Estado de São Paulo, debaterão sobre os resultados desta análise e alguns de seus desdobramentos:
Prof. Dr. José Augusto Mannis (UNICAMP)
Prof. Dr. Regis Rossi Alves Faria (USP)
Prof. Dr. Fernando Iazzetta (USP)
MFA. Mauricio Gargel (MTSU)
MSc. L.A.Galhego Fernandes (FATEC – Tatuí)
Marcelo Claret (IAV)
Reginaldo Ribeiro (SATED/SP)
José Carlos da Silva (SATED/SP)
4. RESULTADOS ESPERADOS
Elaboração de um relato que possa apontar a tendência atual na estruturação de grades curriculares em cursos superiores em áudio, iniciando uma reflexão aberta nesse campo de estudo. A análise crítica desta sessão será uma base de referência para a estruturação de grades curriculares em cursos superiores abrangendo a educação em áudio.
5. JUSTIFICATIVA
Diversos cursos superiores de áudio vêm sendo criados pelo país nos últimos anos. Há necessidade de uma análise sobre o que tem sido praticado nos currículos desses cursos em vista de um eventual planejamento futuro.
Bibliografia sugerida para operadores de homestudio:
Dicionário de Áudio e Tecnologia Musical – Miguel Ratton
MIDI Total – Miguel Ratton
Guia de Mixagem 1 – Fábio Henriques
Guia de Mixagem 2 – Fábio Henriques
Critical Listening Skills for Audio Professionals – F. Alton Everest
Microfones – Sólon do Valle
Manual Prático de Acústica – Sólon do Valle
The Microphone Book – John Eargle
Harmonia Funcional – Hans J. Koellreutter
Treinamento Elementar para Músicos – Paul Hindemith
2.159 Acordes – Saulo Wanderley
Guitarra Blues – Marcos Ottaviano
Sintonia – Mozart Mello
Modus Novus – Lars Edlund
A Afinação do Mundo – R. Murray Schafer
O Ouvido Pensante – R. Murray Shafer
Música y Eutonia – Violeta H. de Gainza e Susana Kesselman
Estudos de Psicopedagoia Musical – Violeta H. de Gainza
Microphones, Products & Practice – Sound On Sound Magazine
Monitors & Headphones – Sound On Sound Magazine
Filosofia da Nova Música – T. W. Adorno
O Direito Autoral no Show Business – A Música – Nehemias Gueiros Jr.
Fundamentos de Acústica Ambiental – Eduardo Murgel
Elementos de Acústica Arquitetônica – Conrado Silva
Como podemos observar, o caminho está sendo delineado passo a passo, e é preciso estudo para se tornar um produtor musical. Estudo das matérias de áudio e música, devidamente aplicados em trabalhos práticos, por sua vez envolvendo arte e tecnologia. Não se trata simplesmente de uma profissão para os que tentaram se tornar músicos, instrumentistas e compositores e não conseguiram, tampouco para DJs que se acham músicos e compositores, nem técnicos que não gostam de tecnologia…