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Entrevista com André “Pomba” Cagni

Música & Mercado foi ouvir um dos decanos do cenário musical de São Paulo, André “Pomba” Cagni, que nos fala de seus TTT –  trajetória, trabalhos e tendências.

Trabalhei e dividi com ele vários momentos cronológicos, e nosso CEO, Daniel Neves, também, inclusive com o primeiro dos momentos nesse planetinha azul, pois eles fazem anos no mesmo dia. Pomba começou estudando música como instrumentista, mixou conhecimentos de informática e jornalismo em sua produção profissional, e em outros momentos masterizou tudo isso com política cultural e social.

M&M: Antes da revista Rock Brigade, como foi a sua história com a música, pré e pós Vodu? Foi a sua primeira banda ou teve outras antes?

Pomba: O Vodu foi minha primeira banda oficial, mas eu tinha tocado num grupo pré-Vodu com o baterista Sérgio Facci, chamado Ressomnância, mas que ficou somente nos ensaios, pois a gente já buscava algo mais heavy metal. Antes disso, eu era somente estudante de música, em conservatórios como o CLAM e Marcelo Tupinambá e trabalhei em multinacionais, começando como officeboy e chegando até operador de computador, por conta do meu estudo técnico na então Escola Técnica Federal. 

 

Fanzine Dynamite

Capa do fanzine Dynamite número 2

 

M&M: Com a Rock Brigade, fale um pouco como foi sua participação na publicação até o movimento que deu origem à Dynamite, desde os saudosos tempos do fanzine…

Pomba: Fiquei na Rock Brigade de 1986 a 1991, a fase do crescimento e de ver a cena do heavy metal estourar. Dado o constante desgaste com a direção e pensando em ter uma revista mais aberta, não só musicalmente mas para outros assuntos como política e comportamento, decidi encampar a Revista Dynamite, até então um fanzine do Dynamo Club.

M&M: Como conheceu o Eric de Haas e iniciou o projeto Dynamo? Foi uma continuação do que aconteceu na Holanda?

Pomba: Conheci o Eric de Haas, então conhecido fotógrafo através da Rock Brigade. Ele queria abrir um bar no Brasil como o mítico Dynamo Eindhoven e daí surgiu a sociedade que gerou o Dynamo Brazilie que abrimos próximo ao Mackenzie na Vila Buarque em 1990.  

 

Revista ONOFF

Capa da revista On&Off número 1

 

M&M: A Dynamite logo teve sua irmã On&Off, outro momento em que estivemos juntos. Se poderia dizer que a On&Off nasceu da necessidade de ter anunciantes de outros instrumentos e equipamentos que o heavy metal não usava muito, como sopros, percussão e outros?

Pomba: A ON&OFF surgiu como um encarte na revista Rock Brigade inicialmente, para ser algo como a SomTrês fazia, tratando de assuntos mais técnicos e visando claro, expandir o foco de anunciantes. Quando saí da Rock Brigade, nessa negociação eu fiquei com o título e levei para ser a irmã mais velha da Dynamite, cada uma saindo em um mês alteradamente.

M&M: Qual a sua visão atual sobre o envolvimento da Dynamite/On&Off com a Músicos, Ricardo D’Apice, André Jung e o pessoal da época?

Pomba: A proposta de parceria surgiu na época em que estávamos quase falidos, visto que a Músicos era o principal anunciante da On&Off e envolvia mais a atuação como investidor deste produto especificamente. 

 

Alôca

DJ do clube Alôca

 

M&M: Seguindo no tempo, como começou sua trajetória de DJ, nos tempos pré Alôca? Porque resolveu trocar o baixo pelos CDJs?

Pomba: Comecei a discotecar informalmente no próprio Dynamo em 1991 e depois de forma mais constante no Manifesto Bar em 1995. Nessa época eu já estava meio desiludido com a carreira de músico e a migração foi bem aos poucos, até virar DJ profissional em 1998 no Clube Alôca e ter se transformado na minha principal fonte de renda ao longo destes anos.

M&M: Momento íntimo: quer falar algo sobre o momento em que passou a atuar em prol da causa LGBT como integrante da sigla?

Pomba: Também foi bem aos poucos, quando me enxerguei como bissexual e a me inserir na cena GLS (à época) como DJ. Sempre fui muito ligado à política e ativismo, então como as demandas dessa comunidade são muito extensas, foi uma consequência natural atuar nessa área.

M&M: Como acha que evoluiu o movimento LGBT em Sampa, desde os anos 80 até agora; 4 décadas de menos preconceito ou não mudou muita coisa em quase meio século?

Pomba: Claro que melhorou muito e embora a violência ainda esteja muito presente e visível, é inegável citar as conquistas de cidadania como retirada da homossexualidade da lista de doenças da OMS, proibição da “cura gay” pelo CFP, legalização do casamento homoafetivo, criminalização da homofobia, fim da restrição de doação de sangue, esses últimos pelo STF.

M&M: Como foi sua trajetória de luta pelo movimento, e qual a sua atual labuta, trabalho e objetivos contra o obscurantismo sexual tupiniquim?

Pomba: Depois de 5 anos atuando como conselheiro municipal LGBT em dois mandatos, hoje sou coordenador do Centro de Cidadania LGBTI da Zona Norte de São Paulo capital, aonde oferecemos serviços psicológicos, jurídicos, pedagógicos e de assistência social para a população LGBTI. Em termos de políticas públicas para essa população, creio que somente o Governo Federal vem pautando retrocessos, mas invariavelmente e contra essa corrente obscurantista a pauta vem sendo atendida. 

 

Cultura

O agitador cultural

 

M&M: Passando agora para a área da administração cultural, digamos assim, como foram seus passos dentro da burocracia dos projetos de renúncia fiscal, Rouanet, PROAC etc.?

Pomba: Trabalhei por dois anos na Secretaria de Estado da Cultura, na gestão do José Luiz Penna que foi um alento para o setor e o resgate no diálogo com a militância cultural, de programas e verbas. Uma pena que a gestão atual voltar a “fechar” a SEC como se estivesse num castelo intransponível. No último ano da gestão Penna fui Coordenador de Fomento, aonde implementei melhorias e ampliei os editais e patrocínios do Programa ProAC, ao mesmo tempo em que o Governo Federal atuava para piorar a já combalida Lei de Incentivo à Cultura, a tão injustamente estigmatizada Lei Rouanet, que colabora e muito para fazer o mercado crescer e gerar recursos para o país.

M&M: O que mudou desde as administrações federais do começo do século 21 até o atual governo federal, em termos de cultura? Mais do mesmo, nada ou alguma coisa?

Pomba: O ápice positivo foi a gestão do Gilberto Gil durante os 4 primeiros anos do Governo Lula em que foram implementados os principais programas como Pontos de Cultura, Diversidade Cultural, programa de patrocínio de estatais e o aumento exponencial das verbas. Depois da saída de Gil, ladeira abaixo. Primeiro com o aparelhamento da ineficiente gestão Juca Ferreira e depois com os maiores cortes da história na pasta já com Dilma, que não entendia a importância do setor. O lance continuou ruim sob Temer e agora o que ocorre é simplesmente um descalabro com o atual governo Bolsonaro.

M&M: Como vê o mercado de instrumentos e equipamento musicais no Brasil, desde os tempos áureos da Giannini, Del Vecchio Di Giorgio & Cia, até a globalização de hoje? Temos futuro no mundo ao vamos virar um item da Amazon?

Pomba: Nunca vi mal algum na globalização, pois temos que pensar também na ótica do consumidor. Basta ver os recursos que a garotada tem hoje em contraponto ao que eu, por exemplo, tive nos anos 80. O que faltou ao fabricante nacional tradicional, talvez, foi se reinventar, romper com antigas estruturas e buscar novos nichos no mercado, para melhor competir. 

 

Covid

Tempos virulentos…

 

M&M: Sobre o Covid, qual a sua visão sobre o mercado musical pós-pandemia? Vai haver a sonhada mudança do planetinha azul pra melhor, ou corremos o risco de nem ter mais planeta nenhum?

Pomba: Bom, eu sempre sou de certa forma um esperançoso racional. Tirando os países governados por negacionistas, a quase unanimidade do mundo ocidental caminha para a economia verde, em que a sustentabilidade, além do foco da preservação em si, também cria reflexos na melhoria da cadeia econômica e social.

M&M: Considerações finais sobre o futuro do jornalismo especializado em música, revistas online, plataformas de distribuição, mecanismos virtuais, músicos emulados e o que acha que vai ser, pode ser, ou deve ser…

Pomba: Hoje eu percebo que, diferentemente de antes, as pessoas estão muito mais imediatistas. Mostrando um som novo da minha banda de heavy metal Vodu para um adolescente metaleiro, ele “reclamou” que demorava muito para entrar o vocal cantando (tinha se passado ‘um longo’ um minuto kkk). Então o desafio da síntese e da comunicação baseada em que um tweet pode ser mais valioso que um folheto de instruções, é o que pode pautar as ações no nosso mercado e do próprio jornalismo especializado. E isso vai além, pois um ensino de música mais prático, uma venda mais ágil (ambos online) é que irão permear as relações, sejam pessoais ou comerciais, do “novo normal”.

 

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