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Análise: A ascensão dos gêneros musicais brasileiros: o sertanejo, o funk carioca e a pisadinha

Leo Morel analisa o mercado musical brasileiro, sua diversidade de gêneros e futuras tendências.

MusicaeMercado

O Brasil é o único país de língua portuguesa da América do Sul, característica que contribuiu para a formação de uma reserva de mercado para o consumo de música. Os brasileiros consomem sobretudo repertório local, tendo o sertanejo, atualmente, como o estilo musical mais popular no país.

Alguns estilos musicais historicamente marginalizados pela indústria cultural brasileira, como o funk carioca e pisadinha, vêm ganhando visibilidade graças à difusão de plataformas como o YouTube. Este artigo tem como objetivo apresentar uma visão geral do mercado musical brasileiro, incluindo suas peculiaridades, potencialidades e desafios, apresentando ao leitor a vitalidade e diversidade da cena musical brasileira atual.

O mercado brasileiro de música

O Brasil é conhecido por sua rica diversidade musical, fruto, em grande parte, da influência de diferentes culturas e etnias que ajudaram a moldar a identidade do país. Com uma área de 8.514.876 km² e uma população de 214 milhões de habitantes, o Brasil também é conhecido como um país de extensões continentais. Brasília é a capital federal e as principais cidades em termos econômicos – e da indústria da música – são São Paulo e Rio de Janeiro. Uma ou ambas as cidades estão sempre presentes no top dos rankings de ouvintes mensais do Spotify e de visualizações do YouTube. Isso se deve, em grande parte, à rápida adoção do streaming como modelo de consumo, fato que contribuiu para a recuperação do mercado global de música gravada em termos de receitas geradas. Atualmente, segundo o ranking mundial da indústria fonográfica, o Brasil ocupa a 11ª posição em vendas de música.

Um dos fatores que contribuiu para a difusão das plataformas de streaming e do consumo de streaming no Brasil foi a popularização dos smartphones. Segundo dados divulgados pela Fundação Getúlio Vargas em 2022, o país possui 242 milhões de smartphones e 110 milhões de notebooks e tablets, o que corresponde a 1,6 aparelhos por habitante.

Um dado marcante, fruto da rápida popularização de plataformas como Instagram e TikTok, é que gêneros musicais regionais, como a Pisadinha, vêm se difundindo em áreas urbanas, enquanto estilos musicais tradicionalmente urbanos, como Funk Carioca e Rap, vem se popularizando no interior do Brasil. Essa troca de localidades geográficas e gêneros musicais contribui para a diversidade musical brasileira, como evidenciado no Chartmetric Artist Rankings, a seguir: WZ Beat, artista de Hip-Hop/Funk (No. 1), Marília Mendonça, referência do sertanejo (nº 2), a cantora pop Anitta (nº 3) e Alok,  do segmento da música eletrônica (nº 4).

Anitta liderou o ranking da Charmetric durante a maior parte de 2022 e foi superada quando a música “Beat Automotivo Tan Tan Tan Viral”, de WZ Beat se tornou, literalmente, viral. Marília Mendonça, a referência da música sertaneja, iniciou 2022 no topo do mesmo ranking, passando para a terceira posição em julho, até se estabelecer na segunda posição em novembro do mesmo ano.

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Marília Mendonça está consistentemente liderando o ranking da Chartmetric referente ao Sertanejo, seguido por Gusttavo Lima, Henrique & Juliano e Jorge & Mateus. Notadamente, esses quatro artistas estão no Top 500 global de artistas, demonstrando a enorme influência do consumo de música do Brasil no mercado global e a importância do gênero sertanejo no Brasil.

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O sertanejo

A Música Sertaneja ou Sertanejo é um estilo musical que tem suas origens no interior do Brasil da década de 1920. Possui semelhanças com a música country dos Estados Unidos, devido às similaridades de elementos musicais e do figurino utilizado por muitos artistas e seu público: chapéus e botas de cowboy. Nas últimas décadas do século XX, o sertanejo incorporou elementos da música pop e, desde a década de 1990, tornou-se um dos gêneros mais tocados nas rádios brasileiras. E, a partir de 2009, ganhou uma categoria própria no Grammy Latino.

Com o crescimento da sua popularidade, o sertanejo evoluiu e gerou outros subgêneros:

  • Sertanejo Universitário: caracterizado por temas como festas e aventuras amorosas.
  • Funknejo: uma mistura de sertanejo e funk carioca
  • Queernejo: um subgênero que visa trazer a representação LGBTQ+ para o sertanejo, gênero historicamente dominado por homens brancos e heterossexuais do interior do Brasil

O sertanejo se tornou popular no interior de estados brasileiros como Minas Gerais, Goiás e Matogrosso do Sul. No final dos anos 90, expandiu-se para áreas urbanas e capitais como São Paulo e Belo Horizonte, tornando-se o estilo musical mais consumido e lucrativo do país. Consequentemente, isso atraiu a atenção de investidores de mercados fora da indústria da música. Tais investidores, muitas vezes, adquirem de forma antecipada um determinado número de apresentações ao vivo de um artistas para vendê-las a agentes do mercado de entretenimento por um preço maior para obter lucro. É o caso do cantor Gusttavo Lima, que vendeu 192 shows para o fundo de investimento Four Even FIDC em 2022 por 100 milhões de reais.

O segmento da música sertaneja tem ligações com o agronegócio, o principal setor produtivo do Brasil, que inclui os setores da soja, da agricultura em geral e da pecuária. Este setor altamente rentável realiza permanentemente as feiras agropecuárias, para comercialização de produtos. Normalmente, esses eventos acontecem uma vez por ano e duram de três a 10 dias, atraindo grande público. Com o intuito de atrair um público fora do segmento do agronegócio, essas feiras oferecem apresentações ao vivo de artistas sertanejos. A Festa do Peão de Barretos, por exemplo, costuma receber 900 mil visitantes anualmente.

As conexões de artistas sertanejos com os agentes do agronegócio e com as rádios brasileiras contribuíram para que a música sertaneja ocupe uma posição hegemônica em relação a outros estilos musicais no Brasil. Vale ressaltar que, apesar da popularização dos serviços de streaming de música no país, o rádio ainda tem importância no mercado fonográfico brasileiro

Não é necessário ir muito a fundo nos rankings do Spotify e do YouTube para observar evidências do domínio da música sertaneja. De acordo com o Top 50 diário do Spotify Brasil de 17 de novembro de 2022, o Sertanejo Universitário liderou as paradas em termos de quantidade de músicas, seguido pelo Funk Carioca e outros subgêneros do Sertanejo. Jorge & Mateus e Gusttavo Lima lideraram com um total de quatro músicas, cada um, seguidos pelo funk carioca MC Ryan SP e pela dupla sertaneja Hugo & Guilherme com três músicas cada. Observou-se padrão semelhante no ranking do YouTube de 17 de novembro de 2022.

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Apesar do falecimento de Marília Mendonça em novembro de 2021, sua música continua sendo amplamente consumida pelos brasileiros, demonstrando o poder da música sertaneja. No entanto, gêneros musicais como Funk carioca, Rap e Pop estão se tornando mais populares no país, aparecendo com maior frequência nas paradas de sucesso de plataformas como YouTube e Spotify. Embora esses gêneros musicais ainda não tenham atingidos os mesmos patamares de popularidade e receitas geradas do sertanejo, é necessário que os artistas sertanejos busquem inovação musical e diferenciação artística para atrair futuros ouvintes evitar o esgotamento em termos de consumo musical.

O funk carioca

O funk carioca também é conhecido como Favela Funk e, em outras partes do mundo, como Baile Funk e Brazilian Funk. No Brasil, também é conhecido apenas como Funk. Trata-se de um estilo musical influenciado pelo Hip-Hop que mistura o Funk com subgêneros do Rap como Miami Bass e Gangsta Rap. Criado na década de 1980, o Funk Carioca originalmente adaptou as músicas norte-americanas do Miami Bass para o português. O DJ Marlboro foi um dos principais produtores musicais à época.  Os bailes funks, inicialmente realizados nas comunidades carentes do Rio de Janeiro, popularizaram-se nos anos 90, contribuindo para a ascensão de artistas como MC Cidinho e Doca.

Nos anos 2000, subgêneros do funk surgiram em São Paulo, como o Funk Ostentação, caracterizado por letras que abordam temas como riqueza e ostentação. O acesso facilitado às tecnologias de gravação e produção musical contribuiu para colocar, atualmente, o Funk entre gêneros musicais mais populares do Brasil, atrás apenas do sertanejo. Além disso, a difusão de plataformas como YouTube e TikTok ajudou a dar voz a esse estilo musical, fomentando a geração de audiências fora dos centros urbanos e atraindo ouvintes das classes sociais economicamente mais favorecidas. Com isso, artistas de funk vem apresentando significativos resultados nas plataformas de streaming de música e nas redes sociais digitais.

MC Ryan SP é atualmente um dos artistas do Funk com maior popularidade no Brasil. Nascido em São Paulo,  MC Ryan SP ficou famoso por conta do sucesso de músicas como “Revoada Sem Você”, “Favela” e “Vergonha Pra Mídia”. Em 2022, o artista assinou contrato com a Warner Music Group e os resultados obtidos com o lançamento de músicas como “Casei com a Putaria” tornou MC Ryan SP um artista mainstream, segundo o índice de estágio de carreira da Chartmetric (Chartmetric Career Stage).

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Ao comparar o índice Chartmetric Artist Score de MC Ryan SP com outros três artistas do gênero, é notável obervar que todos apresentaram a uma tendência ascendente ao longo de 2022 – especialmente o MC Menor HR, que apresentou um rápido crescimento no final do ano. MC Menor HR liderou o Top 50 do Spotify Brasil em 17 de novembro de 2022 e foi o número 2 do ranking do YouTube, de acordo com os dados analisados. Embora os artistas do Funk carioca não atinjam os mesmos patamares de consumo musical de artistas sertanejos, fica evidente sua capacidade de liderar os rankings musicais.

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Pisadinha

A pisadinha é uma variante do Forró, gênero tradicional da música brasileira do Nordeste do Brasil. Esse estilo engloba influências de outros gêneros como Arrocha e Brega e é conhecida pelo uso de teclados e sintetizadores eletrônicos.  Esse gênero popularizou-se nacionalmente devido ao sucesso de artistas como Os Barões da Pisadinha, João Gomes e Zé Vaqueiro.

Formada em 2015 na cidade de Heliópolis, na Bahia, Os Barões da Pisadinha se tornaram uma das bandas mais tocadas nas rádios e plataformas de streaming, principalmente a partir de 2020. O sucesso de músicas como “Senta Danada” e “Tá Rocheada ” levou a banda ao Top 50 do ranking Chartmetric de artistas brasileiros.

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Outro artista referência da pisadinha é João Gomes. Nascido na cidade de Serrita, em Pernambuco, João Gomes tornou-se popular com o lançamento de seu primeiro álbum, Eu Tenho a Senha, em 2021. Canções como “Meu pedaço de pecado” e “Aquelas coisas” tornaram-se sucesso nacional, gerando demanda por shows por todo o país e convites para tocar em festivais como o Rock in Rio em 2022. Tais resultados contribuíram para que João Gomes seja considerado um superstar, de acordo com o índice de estágio de carreira da Chartmetric (Career Stage on Chartmetric).

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O YouTube e as estações de rádio ajudaram a popularizar outros artistas da pisadinha, como Zé Vaqueiro e Os Barões da Pisadinha, pelo Nordeste do Brasil; ao mesmo tempo, o TikTok e o Instagram contribuíram para a difusão da Pisadinha nacionalmente. No entanto, só o tempo dirá se a pisadinha conseguirá atingir os mesmos patamares do sertanejo em termos de consumo musical.

No que tange ao potencial de exportação da pisadinha, o idioma pode ser considerado uma barreira mercadológica. Os ouvintes que não falam português raramente consomem música do Brasil e de outras nações de língua portuguesa, como Portugal e Cabo Verde. A maioria dos consumidores considera a compreensão das letras uma parte essencial de suas escolhas musicais. A produção de canções em língua espanhola ou a cooperação com artistas latino-americanos pode ajudar a promover os artistas da pisadinha internacionalmente.

Tendências dos estilos musicais brasileiros

Apesar da popularização de diversos gêneros musicais no Brasil, o Sertanejo e seus subgêneros ainda ocupam posições de liderança. Plataformas como TikTok e Instagram estão contribuindo para a difusão do Funk e do Rap no interior do Brasil; no entanto, tais estilos musicais ainda não foram capazes de ameaçar a hegemonia do sertanejo. Um fator que pode explicar a manutenção da posição hegemônica da música sertaneja é sua forte conexão com o setor do agronegócio e agentes da indústria cultural.

O Brasil é um país de proporções continentais que consome principalmente repertório local. A reserva de mercado formada por conta de ser o único país de língua portuguesa da América Latina gera vantagens competitivas aos artistas brasileiros. Os ouvintes brasileiros raramente consomem música em língua espanhola e, consequentemente, os artistas latino-americanos enfrentam grandes dificuldades para ingressar no mercado brasileiro. Ademais, a vasta extensão territorial do Brasil oferece amplas oportunidades de promoção e turnês para os artistas brasileiros, não havendo a necessidade real de buscar mercados externos.

Um dos principais obstáculo para a difusão internacional da música brasileira é fato da língua portuguesa apresentar baixa adoção em países fora da comunidade luso-fônica. Por conta disso, a cantora Anitta, por exemplo, optou por cantar em espanhol para se tornar uma artista globalmente conhecida. Esse tipo de estratégia, porém, não é amplamente adotada pelos artistas brasileiros que, em sua maioria, preferem concentrar seus esforços de marketing no mercado local.



Matéria original do site Chartmetric

Leo Morel
Leo Morel

Leo Morel é docente do MBA em Bens Culturais da Fundação Getúlio Vargas-Rio, autor dos livros “Música e tecnologia”(Azougue, 2010) e “Monobloco: uma biografia” (Azougue, 2015). Analista do mercado latino-americano para a empresa inglesa Midia Research e pesquisador do Núcleo de Estudos e Pesquisa em Direito, Arte e Cultura (NEDAC – UFRJ. É mestre em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED), do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Leo Morel também é músico profissional, atuando como baterista na banda Reverse e outros trabalhos, como Monobloco e Reverse.

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