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Uma nova lei pelo direito à educação artística (e musical) para todos

A lei que tornou obrigatório o ensino de música na escola completará oito anos de existência sem haver cumprido suas promessas. Mas isto ainda não é mais decepcionante do que saber que a mesma lei, a 11.769/2008, não existe mais.

A campanha “Quero Educação Musical na Escola” ainda existe, e segue cumprindo seu fim: manter acesa a chama da necessidade de promover o acesso a todos ao ensino de música na escola. Porque foi para isso que o Grupo de Ação Parlamentar Pró-Música – GAP em parceria com a Associação Brasileira de Educação Musical – ABEM e com o apoio de 94 entidades da música, educação e da indústria de instrumentos musicais travaram uma luta legal exitosa, iniciada em 2006.

O acesso à educação musical é um direito humano fundamental, que deve ser possível para mesmo para quem não pode pagar por ele.

A mobilização em apoio à campanha contou com amplo apoio da imprensa e dos congressistas, e parecia que ninguém poderia ser contra o ensino de música nas escolas. A multiplicação dos cursos de Licenciatura em Música pelo país parecia indicar que se anunciava um novo tempo para a música na educação; mas o tempo decorrido demonstrou que o silêncio nas escolas não será rompido tão facilmente. Com efeito, a visibilidade da campanha foi capaz de produzir transformações apenas pontuais, como os exemplos bem sucedidos provaram serem possíveis, alcançáveis. As mudanças se deram a partir do empenho daqueles que eram sensíveis à questão, e que a Lei e a ampla cobertura da imprensa não fez mais que ser um incentivo, um impulso a mais à realização.

Notadamente, o Ministério da Educação durante esses anos, resguardou-se à margem da Lei, em absoluto silêncio, permitindo assim, que a maioria das secretarias de educação municipais e estaduais do país, ignorassem o cumprimento de uma Lei Federal. A exaltação cívica do movimento não foi mais forte que a velha inação. Uma proposta de resolução para a implementação da Lei elaborada pelo Conselho Federal de Educação – CNE e que significaria a manifestação oficial pelo cumprimento dessa Lei, ficou pronto em dezembro de 2013, dois anos após findo o prazo legal previsto para a sua implementação. Ainda assim, o documento do CNE permaneceu ignorado no MEC, aguardando a homologação do Ministro de Estado da Educação, o que veio a se dar em maio de 2016.

Legislação para Educação serve para alguma coisa?

É nesse momento, que soubemos da sanção da nova Lei 13.278/2016, que altera o mesmo artigo 26 da LDB96, o que implica no desaparecimento da Lei 11.769/2008. A nova Lei foi originada do PLS337/2006 (Projeto de Lei do Senado) do Senador Saturnino Braga (RJ), redigido rigorosamente com o mesmo teor proposto pela ABEM para a Lei 11.769, incluindo, além da música, as artes plásticas e artes cênicas, e estabelecendo um novo prazo de cinco anos para a sua plena implementação. Durante a tramitação na Câmara, o termo “obrigatório” foi suprimido do texto da Lei que alteraria o artigo 26 da LDB96. Se é verdade que no parágrafo 2o. do art. 26 o texto indica a obrigatoriedade do ensino de artes, é também verdade que a Lei 11.769/2008 era explícita quanto à obrigatoriedade, e não foi capaz de garantir a presença do ensino de música na escola a todas as crianças. O que poderá então garantir?

O que transparece para a sociedade é que uma legislação sobre Educação pode ser cumprida ou não, à vontade de seus instituidores. E isso não é justo.

Desde 2010 acompanho o processo em curso na Suíça, desde que conheci a geração de educadores musicais suíços que nos anos 80/90 implementaram o programa Enseignement Élargie de Musique (ensino estendido de música) em quase todos as regiões do país, em um programa  experimental inicialmente previsto para 3 anos, seguiu operativo pelos 25 anos seguintes; o grupo de educadores musicais logrou aprovar em 2012, um plebiscito popular que, por 72,44% da população, inscreveu a Educação Musical na Constituição. Com a sua implementação prevista para 2017, o Governo Federal destinou o orçamento em um  plano quinquenal de 2016 a 2020 de 17.3 milhões de euros destinados à formação musical; desse montante, 2.5 milhões de euros para o programa federal Jeunesse et musique (Juventude e Música).

Se no Brasil a legislação não foi capaz de garantir a reintrodução do ensino de música nas escolas  está claro que caberá à sociedade civil tomar para si, a responsabilidade de romper a cultura de silenciamento que ainda reina absoluta na maioria esmagadora das escolas brasileiras. As iniciativas individuais de profissionais educadores musicais assim como pontuais programas instituídos pelo  setor privado vêm atalhando os obstáculos interpostos e têm demonstrado ser a mais concreta resposta à resistência passiva contra a música nas escolas. Parece que será preciso promover uma mudança de cultura e de consciências, antes que se possa, num futuro, consagrar a hegemonia do compromisso da sociedade no cumprimento de seu instrumento legal, como garantia democrática da oferta de um ensino sistemático e permanente de música. É o que os fatos têm demonstrado.

Será capital o engajamento de todos os que são sensíveis à questão.

Quando dizemos que uma Lei de ensino de música que se insere no âmbito do currículo escolar é a ferramenta capaz de estender esse direito fundamental a todos, que não é possível pensarmos em uma educação integral para a criança sem o ensino de música, que isso é um direito humano delas, que direitos não são redutíveis, e que esse silencio ensurdecedor precisa ser rompido, queremos dizer que não aceitamos que as coisas continuem como estão.
Tão necessária quanto bem-vinda é a música em nossas vidas. Nossas vidas estão nas escolas também.

 

A Dissertação de Mestrado que defendi em 2010 relata, passo a passo, todo o processo político que conduziu à sanção da Lei 11.769/2008 e dispõe sobre todas as legislações brasileiras sobre educação referentes ao ensino de música nas escolas até a data atual, disponível para download  – clique  

Foram coletadas 177 matérias publicadas na imprensa nacional e internacional sobre aLei 11.769/2008.

 

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