Direito e Legislação
Lives e direitos autorais: como fica a remuneração dos autores e compositores?

Lives e direitos autorais: como fica a questão dos direitos autorais sobre as obras executadas nas lives? É devido algum pagamento a compositores e músicos?
Atualmente, temos observado uma proliferação de apresentações de músicos por meio de lives, divulgadas ao vivo em mídias e redes sociais. Essa forma de exposição ganhou especial popularidade a partir da pandemia de coronavírus. O isolamento social acabou gerando um aumento da demanda por bens culturais acessados de forma remota, entre eles as lives musicais.
Essa forma de apresentação tem gerado dúvidas no meio artístico: como fica a questão dos direitos autorais sobre as obras executadas nas lives? É devido algum pagamento a compositores e músicos? Para compreendermos esses pontos, é preciso explicar a legislação de direitos autorais e o posicionamento do judiciário brasileiro a respeito do uso de obras na internet.
No Brasil, o tema é regido pela Lei 9.610/98 (Lei de Direitos Autorais – LDA), que alcança, basicamente, obras de caráter artístico, cultural e científico. A legislação estabeleceu um sistema declaratório de proteção, o que significa que não é obrigatório qualquer tipo de registro para que o titular tenha um direito de exclusividade de uso sobre seu material. Assim, a proteção jurídica surge a partir da própria criação da obra. Entretanto, apesar de serem facultativos, os procedimentos de registro são recomendáveis, pois podem ser importantes para provar a titularidade do direito em um eventual conflito.
Sob o aspecto patrimonial, relacionado ao direito de uso exclusivo das criações, existem duas espécies no direito autoral: direitos de autor propriamente ditos e direitos conexos. Os primeiros surgem com a efetiva criação da obra e, no caso dos compositores, duram por setenta anos contados do dia primeiro de janeiro do ano seguinte à morte do autor. Os segundos não envolvem um ato de criação desse tipo, mas estão próximos do mesmo e são relacionados, principalmente, à difusão da obra. Na Lei 9.610/98, temos três tipos de titulares de direitos conexos: os intérpretes/executantes, os produtores fonográficos e as empresas de radiodifusão. Assim, os direitos conexos geram um direito de exclusividade sobre uma interpretação de um músico ou ator, sobre um fonograma/gravação ou sobre o sinal transmitido por uma empresa de radiodifusão. Duram por setenta anos contados do dia primeiro de janeiro do ano seguinte à gravação fonográfica, à emissão do sinal ou à execução da interpretação pelo artista.
A legislação prevê ainda a existência dos chamados direitos morais na esfera autoral, que conferem certas prerrogativas ao criador da obra. Uma das mais importantes é o crédito de paternidade, que deve ser concedido ao autor em qualquer uso de sua criação, inclusive os devidamente autorizados. Os direitos morais são inalienáveis e irrenunciáveis, de modo que devem ser respeitados mesmo se o criador transferir seus direitos patrimoniais.
Em relação às lives, a questão diz respeito especialmente a uma forma de uso denominada “execução pública”, prevista no art. 68 da LDA e que depende de autorização dos titulares dos direitos autorais das obras utilizadas. No caso das músicas, a Lei 9.610/98 atribuiu poder ao Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (ECAD) para, em nome dos titulares dos direitos, realizar a cobrança por esse tipo de uso.
Assim, para avaliar a questão, é necessário entender o próprio conceito de execução pública. Pela legislação, trata-se de “utilização de composições musicais ou lítero-musicais, mediante a participação de artistas, remunerados ou não, ou a utilização de fonogramas e obras audiovisuais, em locais de frequência coletiva, por quaisquer processos, inclusive a radiodifusão ou transmissão por qualquer modalidade, e a exibição cinematográfica”.
Logo, um ponto fundamental para compreensão do tema é analisar o que significa “local de frequência coletiva”, pois este é um fator determinante para que determinado uso seja considerado ou não uma forma de execução pública da obra. Pela LDA, tal local é qualquer lugar “onde se representem, executem ou transmitam obras” de modo a alcançar um grupo de ouvintes. Porém, como as lives são transmitidas de forma remota, naturalmente pode surgir uma dúvida, porque nenhuma das pessoas que assistem a apresentação está no mesmo local que o artista. Além disso, o art. 68 da LDA, não menciona expressamente as lives como uma espécie de execução pública.
Porém, uma análise das decisões judiciais a respeito dos direitos autorais na internet não deixa dúvidas sobre a questão. Para tanto, é importante destacar o julgamento do Recurso Especial 1.559.264 – RJ, decidido pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em 2017. Nesse caso, a discussão basicamente girou em torno do uso de obras via streaming e se isso configuraria um tipo de execução pública, considerando a forma de transmissão via internet.
Ao julgar a ação, o STJ deixou claro que, do ponto de vista legal, o uso das obras autorais na internet não difere em absolutamente nada da sua exploração por outros meios, como rádio e TV. Mais ainda: as plataformas digitais são consideradas locais de frequência coletiva e, portanto, o uso de músicas nesse ambiente é uma forma de execução pública, sujeita a todas as regras normais da Lei de Direitos Autorais:
Logo, a exploração por meio da internet distingue-se das outras formas de uso de obras musicais e fonogramas (ex. rádio e TV) tão somente pelo modo de transmissão, tratando-se, rigorosamente, da utilização do mesmo bem imaterial, o que implica na incidência de idêntica disciplina jurídica. (…) Logo, o que caracteriza a execução pública de obra musical pela internet é a sua disponibilização decorrente da transmissão em si considerada, tendo em vista o potencial alcance de número indeterminado de pessoas. Além disso, é de fácil percepção que tanto o conceito de comunicação ao público (art. 5º, V, da Lei nº 9.610/1998) – ato mediante o qual a obra é colocada ao alcance do público, por qualquer meio ou procedimento -, quanto o de execução pública (art. 68, §§ 2º e 3º, da Lei nº 9.610/1998) são de tal modo abrangentes que conduzem à conclusão de que a noção de local de frequência coletiva compreende os espaços físico e digital, incluindo-se neste último as plataformas digitais, notadamente um ambiente que alcança número indeterminado e irrestrito de usuários, existentes não mais em um único lugar ou país, mas em todo planeta, o que eleva exponencialmente a capacidade de exploração econômica das obras. (STJ, Recurso Especial 1.559.264 – RJ, Voto do Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgamento em 08/02/2017)
O julgamento deixou ainda explícito que, por se tratar de execução pública musical, a transmissão via internet das obras implica na possibilidade de cobrança de direitos autorais pelo ECAD:
À luz do art. 29, incisos VII, VIII, “i”, IX e X, da Lei nº 9.610/1998, verifica-se que a tecnologia streaming enquadra-se nos requisitos de incidência normativa, configurando-se, portanto, modalidade de exploração econômica das obras musicais a demandar autorização prévia e expressa pelos titulares de direito.
De acordo com os arts. 5º, inciso II, e 68, §§ 2º e 3º, da Lei Autoral, é possível afirmar que o streaming é uma das modalidades previstas em lei, pela qual as obras musicais e fonogramas são transmitidos e que a internet é local de frequência coletiva, caracterizando-se, desse modo, a execução como pública.
Depreende-se da Lei nº 9.610/1998 que é irrelevante a quantidade de pessoas que se encontram no ambiente de execução musical para a configuração de um local como de frequência coletiva. Relevante, assim, é a colocação das obras ao alcance de uma coletividade frequentadora do ambiente digital, que poderá, a qualquer momento, acessar o acervo ali disponibilizado. Logo, o que caracteriza a execução pública de obra musical pela internet é a sua disponibilização decorrente da transmissão em si considerada, tendo em vista o potencial alcance de número indeterminado de pessoas.
O ordenamento jurídico pátrio consagrou o reconhecimento de um amplo direito de comunicação ao público, no qual a simples disponibilização da obra já qualifica o seu uso como uma execução pública, abrangendo, portanto, a transmissão digital interativa (art. 29, VII, da Lei nº 9.610/1998) ou qualquer outra forma de transmissão imaterial a ensejar a cobrança de direitos autorais pelo ECAD. (STJ, Ementa do Recurso Especial 1.559.264 – RJ, Relator Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, julgamento em 08/02/2017)
Assim, da mesma forma que o streaming é considerado uma forma de execução pública de obras autorais, as lives claramente também o são. Isso fica evidente pela a leitura do julgamento do RE 1.559.264 pelo STJ, que indicou que qualquer forma de disponibilização de acesso à obra pela internet se enquadrará como um tipo de execução pública. Não interessa se o evento é ao vivo ou não: o fator determinante é a transmissão das músicas a uma coletividade de ouvintes.
Seguindo esse raciocínio, o fato de a live ser patrocinada ou não também não gera qualquer impacto em relação à questão dos direitos autorais e não descaracteriza o evento com um tipo de execução pública. Isso porque a existência (ou não) de um patrocinador não muda o fato de que há a disponibilização das obras para um universo de pessoas, por meio da internet/plataformas digitais, o que o STJ já considerou serem elementos que configuram um tipo de execução pública, conforme julgamento do RE 1.559.264.
Há ainda observações adicionais sobre o caso. É um equívoco considerar que as lives não seriam um tipo de execução pública simplesmente porque não estão previstas expressamente na Lei 9.610/98. Isso é irrelevante, uma vez que a lista de espaços indicados no art. 68, §3º da LDA como “locais de frequencia coletiva” é apenas exemplificativa, não esgotando o assunto. Como destacado na jurisprudência do STJ, não interessa se o ambiente é físico/presencial ou virtual. Havendo disponibilização da obra para acesso por um universo de pessoas, será o caso de execução pública.
Nesse sentido, importante notar que não há nenhuma referência à palavra streaming na Lei de Direitos Autorais, e isso não impediu que o STJ considerasse esse tipo de uso como execução pública musical, sujeita inclusive à cobrança pelo ECAD. Na verdade, em nenhuma parte da LDA há sequer menção à própria internet (sobretudo porque se trata de uma lei de 1998) e é bastante claro que o uso de obras artísticas nesse ambiente virtual deve obedecer a legislação de direitos autorais.
Outro ponto que poderia causar dúvidas é o fato de as lives normalmente serem gratuitas para o público. Também considerando a jurisprudência do STJ, a cobrança (ou não) de ingressos ou de outra condição para acesso ao evento é igualmente irrelevante. A gratuidade para o público não afasta, por si só, a aplicação da legislação de direitos autorais e nem a configuração do ato como execução pública. Nesse sentido, é interessante destacar os precedentes relacionados aos festejos populares de rua, como carnaval e festa junina. Já há muito tempo o STJ considera que os titulares dos direitos autorais e conexos devem ser remunerados pelo uso de suas obras nesses casos, mesmo não havendo cobrança de ingressos:
AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. ALEGAÇÃO GENÉRICA. SÚMULA 284/STF. ECAD. COBRANÇA DE DIREITOS AUTORAIS. EXECUÇÃO PÚBLICA DE MÚSICAS. MUNICÍPIO. PAGAMENTO. FESTA DE CARNAVAL. ANO DE 2000. LEI 9.610/98.
1. Alegação genérica, sem a indicação incisiva do dispositivo, supostamente, ofendido, além de não atender à técnica própria de interposição do recurso especial, configura deficiência de fundamentação. Inteligência da Súmula 284/STF.
2. “A utilização de obras musicais em espetáculos carnavalescos gratuitos promovidos pela municipalidade enseja a cobrança de direitos autorais à luz da novel Lei n. 9.610/98, que não mais está condicionada à auferição de lucro direto ou indireto pelo ente promotor.” (REsp 524.873/ES, Rel. Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, SEGUNDA SEÇÃO, julgado em 22/10/2003, DJ 17/11/2003, p. 199)
3. A interposição, nesta Corte, de agravo regimental manifestamente infundado torna forçosa a aplicação da multa prevista no artigo 557, § 2º, do Código de Processo Civil.
4. Agravo regimental a que se nega provimento, com aplicação de multa.
(STJ, AgRg no Ag 1363434 / PR, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, julgamento em 28/06/2011)
Vale também ressaltar que, caso a live seja gravada, teremos ainda um outro uso das obras: a reprodução. Isso não se confunde com a execução pública e, por essa razão, encontra-se fora do escopo de qualquer pagamento feito ao ECAD. Esse é um ponto importante, porque, pela Lei 9.610/98, eventual permissão para tocar as canções não implica, automaticamente, em anuência para gravação ao vivo das mesmas. Logo, gravar a live demanda autorização específica por parte dos titulares dos direitos autorais envolvidos e também dos intérpretes/executantes, que têm direitos conexos sobre a sua apresentação.
Assim, a conclusão que se chega é que a realização de uma live deve observar a legislação de direitos autorais, como espécie de execução pública e, dependendo do caso, também como reprodução caso haja gravação. Os titulares dos direitos autorais das obras devem ser devidamente remunerados, o mesmo valendo para os direitos conexos dos intérpretes e produtores fonográficos quando houver uso de música previamente gravada (como apresentação de DJs, por exemplo).
O fato de se tratar de uma nova forma de interação entre os artistas e seu público não justifica o desrespeito à legislação autoral.
Direito e Legislação
Plágio ou fraude? As reviravoltas do caso Adele na justiça brasileira
Adele enfrenta acusações de plágio e fraude em um processo que pode mudar os rumos da proteção autoral
O verso icônico “Já tive mulheres de todas as cores”, eternizado por Martinho da Vila na música Mulheres, ganhou inesperadamente uma conexão com “I only wanted to have fun”, da britânica Adele. A mistura entre as duas canções, feita por fãs nas redes sociais, surgiu em meio à acusação de plágio contra a cantora internacional. Foi uma forma criativa de comparar as faixas e permitir que o público tirasse suas próprias conclusões sobre as semelhanças.
O caso ganhou força quando o compositor brasileiro Toninho Geraes, autor de Mulheres, entrou com um processo judicial alegando que a canção Million Years Ago, do álbum 25 (2015) de Adele, plagia sua obra. Sambista mineiro radicado no Rio de Janeiro, Geraes é conhecido por composições de sucesso como Me Leva e Virou Mania (gravadas por Agepê), Seu Balancê e Uma Prova de Amor (com Zeca Pagodinho), e Alma Boêmia (imortalizada por Diogo Nogueira). Agora, ele busca reconhecimento e reparação pela suposta violação de direitos autorais.
Hoje, dia 10 de janeiro de 2025, o caso teve um novo desdobramento importante: foi mantida a liminar em favor do compositor Toninho Geraes e indeferido o pedido de caução feito pelos réus. No entanto, ainda resta a apreciação do Incidente de Falsidade, enquanto o processo criminal relacionado ao caso segue seu curso em paralelo.
O que é um Incidente de Falsidade?
No centro da disputa está o Incidente de Falsidade, um procedimento judicial que busca verificar a autenticidade de documentos apresentados em um processo. Esse mecanismo é fundamental para evitar que provas falsas prejudiquem o curso da justiça.
A falsidade documental pode ocorrer de diversas formas, como:
- Assinaturas falsas: Uso de assinaturas não autorizadas ou forjadas.
- Rasuras ou adulterações: Alterações visíveis em documentos originais.
- Ausência de validação: Falta de registros obrigatórios, como autenticações consulares e traduções oficiais.
Segundo o Código de Processo Civil brasileiro, documentos considerados falsos perdem validade legal, e todos os atos jurídicos vinculados a eles podem ser anulados. Isso significa que a defesa de Adele enfrenta o risco de ter ações invalidadas, caso as suspeitas de plágio e fraude sejam comprovadas.
Como o caso Adele chegou à esfera criminal?
Em dezembro de 2024, durante uma audiência de conciliação solicitada pelos representantes de Adele e outros réus (Greg, Beggars Group e Universal), foi exigida a apresentação de procurações que permitissem a representação dos réus estrangeiros de forma legítima. Contudo, as procurações apresentadas pela Universal levantaram sérias dúvidas sobre sua autenticidade.
Os documentos continham discrepâncias nas assinaturas, rasuras e não apresentavam os devidos registros, como consularização e apostilamento – elementos obrigatórios para validação no Brasil. Diante desses indícios, a parte acusatória levantou o Incidente de Falsidade, trazendo uma nova dimensão ao caso Adele e plágio.
As graves implicações jurídicas do caso Adele
Se as suspeitas forem confirmadas, os desdobramentos jurídicos podem ser severos para Adele e os demais réus. As consequências incluem:
Na esfera cível:
- Anulação de atos jurídicos: Todos os atos baseados em documentos falsos serão considerados nulos.
- Litigância de má-fé: A tentativa de manipular o processo pode levar a multas, indenizações e ao pagamento de honorários à parte contrária.
Na esfera criminal:
A manipulação de documentos no caso Adele e plágio pode configurar os seguintes crimes, previstos no Código Penal:
- Falsificação de documento (Art. 298): Pena de 2 a 6 anos de reclusão e multa.
- Falsidade ideológica (Art. 299): Pena de 1 a 5 anos de reclusão e multa.
- Uso de documento falso (Art. 304): Pena de 2 a 6 anos de reclusão e multa.
- Fraude processual (Art. 347): Pena de 3 meses a 2 anos de reclusão e multa.
- Estelionato (Art. 171): Pena de 1 a 5 anos de reclusão e multa.
Caso os atos fraudulentos sejam considerados cumulativos, as penas podem ser somadas, conforme o artigo 69 do Código Penal.
O impacto global do caso Adele e plágio
Este litígio transcende as fronteiras do Brasil e do Reino Unido, destacando os desafios de resolver disputas internacionais em um mundo cada vez mais globalizado. Para Adele, as acusações de plágio já ameaçavam sua reputação artística; agora, as suspeitas de fraude documental adicionam uma nova camada de complexidade.
Se o Incidente de Falsidade for confirmado, o caso pode não apenas prejudicar os réus, mas também criar precedentes legais significativos sobre a forma como fraudes documentais são tratadas em disputas internacionais.
Quando plágio vira crime
O caso Adele e plágio é um lembrete de como disputas no mundo artístico podem rapidamente se transformar em litígios jurídicos de alta complexidade. Enquanto a justiça brasileira avalia os documentos apresentados, uma questão maior permanece: como proteger o sistema legal contra fraudes em um cenário onde as fronteiras físicas importam cada vez menos?
No fim, a batalha de Adele não é apenas sobre direitos autorais – é sobre integridade, tanto na música quanto na justiça.
Direito e Legislação
COP19: Grupo de trabalho define o futuro do pau brasil e equilibra a relação da principal madeira para músicos e orquestras
Grupo de Trabalho na Cop19, no Panamá, finalizam a minuta para alteração à proposição 49 e retira o pau brasil do Anexo I da CITES.
22 de novembro, Panamá – Grupo de Trabalho na Cop19, no Panamá, finalizam a minuta para alteração à proposição 49 e retira o pau brasil do Anexo I da CITES.
Após longas discussões sobre a conservação do pau brasil e a necessidade de evitar uma proibição radical para sua comercialização e, consequentemente, os impactos que a medida daria para a música clássica, o Brasil e demais integrantes do Grupo de Trabalho formado na Cop19 chegaram a um acordo.
Entenda o caso do pau brasil:
- O pau brasil é o principal elemento de arcos de violinos de qualidade, utilizado nas mais refinadas orquestras de todo planeta.
- A redação proposta (Proposição 49) pelo Brasil à CITES na COP19 eliminaria qualquer transação comercial de produtos feitos com pau brasil, bem como viagens.
- Na prática, isto impediria músicos que usam arco de instrumentos de cordas (violinos, cellos e outros) a sairem de seus países com seus arcos e acessórios de pau brasil.
- Caso o Brasil conseguisse incluir o pau brasil no Anexo I da CITES, músicos profissionais, orquestras teriam que buscar outra solução em caráter de urgência acarretando não somente numa possível parada, mas no desmatamento em, grande volume e quantidade, de outras espécies, para suprir a demanda global.
A música salva o pau brasil
Para chegar a um acordo, o Brasil, representado pelo Ibama, debruçou-se com um grupo de trabalho composto por diversos países e ONGs.
Como resultado, o Brasil aceitou a retirada da Proposição 49 que coibiria o uso e comércio de arcos para instrumentos de cordas em todo mundo.
Abaixo, a minuta de alteração da proposta pelo Grupo de Trabalho realizado na COP19, no Panamá.
MINUTA DE ALTERAÇÃO À PROPOSTA COP19 PROP. 49 (EM PAUBRASÍLIA ECHINATA)
Este documento foi elaborado pelo grupo de trabalho sobre a proposta CoP19 Prop. 49 sobre Paubrasilia echinata após discussão na sétima sessão do Comitê I (ver documento CoP19 Com. I Rec. 7).
Projeto de alteração à proposta CoP19 Prop. 49
(O novo texto é sublinhado, o texto excluído é tachado)
Transferência do Apêndice II para o Apêndice I da Paubrasilia echinata de acordo com a Resolução Conf. 9.24 (Rev. CoP17), Anexo I, Parágrafo A) i) a redução do habitat onde a espécie ocorre e v) a espécie está sofrendo corte seletivo e Parágrafo B) iii) a espécie está sofrendo corte seletivo e iv) uma diminuição no área e qualidade do habitat e no número de indivíduos, e com a seguinte anotação.
Anotação
Todas as partes, derivados e produtos acabados, incluindo arcos de instrumentos musicais, exceto instrumentos musicais e suas partes, compondo orquestras itinerantes e músicos solo portadores de passaportes musicais de acordo com a Res. 16.8.
Manter Paubrasilia echinata no Apêndice II com a seguinte anotação que substituiria a atual Anotação nº 10:
Todas as peças, derivados e produtos acabados, exceto reexportação de instrumentos musicais acabados, acessórios de instrumentos musicais acabados e peças de instrumentos musicais acabados.
Projetos de decisão sobre Paubrasilia echinata
Dirigido ao Secretariado
19.AA O Secretariado deverá:
a) emitir uma Notificação às Partes e partes interessadas relevantes solicitando informações sobre desenvolvimentos recentes, ações de fiscalização nacionais e internacionais, comércio ilegal e marcação de arcos em relação a Paubrasilia echinata,
b) sujeito a financiamento externo, em consulta com o comitê de plantas e em associação com especialistas interessados, avaliar opções para o estabelecimento de um sistema de rastreabilidade para registrar a proveniência dos arcos de Paubrasilia echinata (pernambuco) produzidos, adquiridos ou transportados por proprietários, músicos e fabricantes; e
c) preparar um relatório sobre suas conclusões sobre a implementação dos parágrafos a) eb) supra e apresentar quaisquer recomendações resultantes ao Comitê Permanente em sua reunião.
Dirigido ao Comitê de Plantas
19.BB O Comitê de Plantas aconselhará o Secretariado na implementação da Decisão 19.AA parágrafo
b).
Dirigido às Partes, em particular as Partes de origem e destino para Paubrasilia echinata
19.CC As Partes e em particular as Partes de origem, trânsito e destino para Paubrasilia echinata, são convidadas para:
a) continuar os esforços nacionais de fiscalização, incluindo investigações de comércio ilegal em Paubrasilia echinata e complementá-los com ações conjuntas de fiscalização.
b) considerar o registro de estoques de Paubrasilia echinata conforme o caso;
c) oferecer apoio na capacitação ao Brasil e outras Partes conforme apropriado para melhorar a implementação da listagem de Paubrasilia echinata;
d) fornecer informações ao Secretariado, conforme solicitado na Decisão 19.AA.
Dirigido a organizações governamentais, intergovernamentais, não governamentais e outras entidades
19.DD Organizações governamentais, intergovernamentais, não governamentais e outras entidades, são convidadas para:
a) apoiar a implementação da listagem de Paubrasilia echinata, inter alia por:
i) explorar formas de aumentar a rastreabilidade de arcos acabados, incluindo, por exemplo, o desenvolvimento e implementação de um sistema de marcação individual única e sensibilizar produtores e consumidores (em particular músicos) sobre o estatuto da espécie,
ii) trabalhar com o Brasil para identificar plantações existentes de Paubrasilia echinata no Brasil que possam ser consideradas código-fonte A ou Y para estabelecer uma cadeia de abastecimento sustentável; e,
b) fornecer informações ao Secretariado, conforme solicitado na Decisão 19.AA.
Dirigido ao Comitê Permanente
19.EE O Comitê Permanente deverá:
a) considerar qualquer relatório da Secretaria resultante da implementação das Decisões 19.AA, bem como qualquer outra informação relevante trazida ao seu conhecimento sobre a implementação da listagem de Paubrasilia echinata no Apêndice II; e,
b) fazer recomendações para consideração da Conferência das Partes em sua 20ª reunião, incluindo recomendações relativas ao desenvolvimento e implementação de um sistema de rastreabilidade de espécimes de Paubrasilia echinata.
Direito e Legislação
Pau-brasil: a música luta pela árvore símbolo do País na Cop19
Orquestras e músicos de todo planeta se manifestam contra a extração ilegal de pau-brasil e a favor do reflorestamento da espécie para a Cop19
Imagine a seguinte situação: acabou o ferro do mundo, pense no impacto que isto daria. Esse analogia tem a ver com o que está acontecendo com o pau-brasil, árvore símbolo do Brasil e principal componente para arcos de violinos e outros instrumentos clássicos utilizados pelas orquestras e músicos profissionais de todo mundo.
“Os arcos de pau-brasil são ferramentas essenciais e insubstituíveis para todos os músicos profissionais que utilizam instrumentos de cordas”, explica o violoncelista Yo-Yo Ma, músico norte-americano nascido na França, de origem chinesa, considerado um dos melhores violoncelistas da história.
Neste dia 8 de novembro, o portal G1 noticiou que a Polícia Federal e o Ibama fizeram uma mega operação contra grupo que extraía pau-brasil de áreas protegidas. “A estimativa é que o grupo tenha lucrado ilegalmente mais de R$ 370 milhões. As investigações apontaram que o material era comercializado no exterior sem qualquer controle das autoridades brasileiras.”
Para a Associação Nacional da Indústria da Música (ANAFIMA) a operação vai de encontro com a expectativa dos profissionais que trabalham legalmente com a atividade. “A música é a única atividade que refloresta o pau-brasil. A árvore é objeto de investimento em pesquisa e reflorestamento por grupos brasileiros e internacionais. O Ibama tem que diferenciar os profissionais que trabalham legalmente dos contrabandistas de madeira”, explica Daniel Neves, presidente da Anafima.
A música refloresta o pau-brasil
No ano 2000, os fabricantes de arcos se posicionaram sobre isso criando a “Iniciativa Internal para a Conservação do Pau-Brasil” (IPCI – International Pernambuco Conservation Initiative), um esforço voluntário financiado inteiramente por fabricantes de arcos.
Seus esforços levaram ao plantio de mais de 340 mil mudas de pau-brasil em parceria com o governo brasileiro, com pequenos produtores de cacau e com ONGs ambientais brasileiras. À medida que algumas dessas árvores alcançarem a maturidade, elas, juntamente com outras árvores replantadas nas comunidades da Mata Atlântica, que antecedem em muitos anos os esforços do IPCI, estarão adequadas para fabricação e uso no comércio de arcos.
Em 2004, a Secretaria de Estado da Agricultura, Abastecimento, Aquicultura e Pesca (SEAG), do Governo do Estado do Espírito Santo, firmou o CONVÊNIO SEAG-ES 007/04, promovendo a integração do Plano Estratégico de Desenvolvimento da Agricultura Capixaba/Silvicultura (PEDEAG-SILVICULTURA) e o IVB (Instituto Verde Brasil), ONG que coordena o “PROJETO VERDE BRASIL” da Associação Brasileira de Archetários (ABA).
Desta forma uniram-se os esforços dessas instituições, visando promover o plantio de árvores de pau-brasil. Este convênio deu suporte a produção e distribuição de 220.000 mudas da árvore símbolo do país.
O convênio também previu ações no âmbito do fomento e da assistência técnica através do Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural – Incaper e das prefeituras. Previu também o registro de plantios junto ao Instituto de Defesa Agropecuária e Florestal do Espírito Santo – (IDAF), responsável em dar suporte e repassar informações de ordem jurídica em relação à exploração econômica sustentável das árvores plantadas em áreas particulares.
“Ao todo a indústria da música plantou mais de 500 mil mudas de pau-brasil e sendo a principal interessada em salvar a espécie”, enfatiza Neves.
Cop19 e o pau-brasil
O destino da principal ferramenta da música clássica poderá ser mudado na próxima reunião da Convenção sobre Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Ameaçadas de Extinção (CITES) na Cop19, a ser realizada de 14 a 25 de novembro no Panamá. De um lado, o Ibama busca incluir o pau-brasil no Apêndice I da CITES, com uma Anotação que impõe controles sobre “todas as peças, derivados e produtos acabados, incluindo arcos de instrumentos musicais, exceto instrumentos musicais e respectivas peças que façam parte de orquestras itinerantes e músicos solo portando passaportes musicais de acordo com Res. 16.8.” De outro, as orquestras, luthiers e toda a comunidade nacional e internacional de músicos que buscam esforços para conservar o pau-brasil e uma solução de política alternativa que efetivamente possa dar mais sustentabilidade à espécie, evitando igualmente danos ao setor musical.
Mas na prática, a proposta do Ibama para a Cop19 imporia novos requisitos de autorizações para os músicos viajantes e tornaria praticamente impossível a venda, revenda e reparo de arcos novos e usados em nível global.
O resultado seria catastrófico para a música produzida por instrumentos de cordas, para os músicos, para o ofício histórico da confecção de arcos, para as instituições culturais e artísticas e instituições culturais, e para os vários milhões de ouvintes de música de todo o mundo.
Justamente por opiniões como de Yo-Yo Ma, a comunidade internacional se reuniu numa coalizão internacional formada pelas maiores orquestras, luthiers e diversas associações para garantir que o pau-brasil reflorestado e legalmente extraído seja oficialmente permitido.
Contra a extração de madeira ilegal o setor musical está procurando trabalhar em parceria com as partes integrantes da CITES em busca de uma solução política que possa conservar o pau-brasil, uma espécie da qual o mundo da música é altamente dependente e, ao mesmo tempo, evitar ônus desnecessários para os músicos viajantes, para o comércio global de arcos e para as autoridades gestoras da CITES.
Equipe do IVB no viveiro de produção de mudas do INCAPER
A CITES tem como objetivo conservar espécies e viabilizar o comércio sustentável. Uma listagem no Apêndice I criaria riscos existenciais para a música produzida pelos instrumentos de cordas, para os músicos que dependem dos seus arcos de pau-brasil como ferramentas essenciais do comércio, para uma tradição de mais de 200 anos na fabricação de arcos artesanais, e para a música que eleva o espírito humano – tudo isso sem um benefício proporcional à sustentabilidade da espécie.
A coalizão brasileira e internacional sustentam que uma solução política equilibrada é possível.
As partes interessadas no setor musical apoiam:
- ajustar o Sinaflor possibilitando o registro dos plantios existentes para fins de exploração sustentável do Pau-brasil a exemplo de outras espécies nativas.
- a implementação de uma melhor e mais clara política
- o desenvolvimento de um inventário nacional abrangente sobre o status da espécie
- a criação de um processo para estabelecer a rastreabilidade para os arcos de pau-brasil brutos e acabados,
- maior financiamento e parcerias estratégicas para promover a conservação, pesquisas científicas de populações naturais e artificialmente propagadas, bem como o uso sustentável do pau-brasil
Sem garantia de conservação
A possível inclusão do pau-brasil no Anexo I da CITES não garante preservação. De acordo com uma fonte ouvida pela Música & Mercado, principal publicação de negócios da música no País “A exportação de madeira ilegal ocorre nas barbas do Ibama. Basta ver que a China hoje, é o maior fornecedor de arcos de violino com pau-brasil. Como eles tem se não há registros?” Questiona o interlocutor.
“A indústria da música busca equilíbrio e a diferenciação entre os bons e maus deste setor. Por hora, sabemos que a única área que refloresta de fato o pau-brasil é a música”, finaliza Daniel Neves, da Anafima.
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