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Sociedade musical Jô-Jô: de Tom Jobim a Jojo Todynho

As redes sociais nos ensinam muita coisa sobre o comportamento humano: quem gosta de você, quem não gosta e quem está disposto a pagar para te assistir

Nos últimos tempos, dezenas de artigos têm sido publicados sobre a monetização das lives. A necessidade da conversão financeira das apresentações é elementar: shows presenciais de todas as espécies estão proibidos até sabe-se lá quando.

O digital impactou a redução do preço de (quase) tudo. Desde o trabalho jornalístico, medido pelos quantidade de cliques no Google, até o seu trabalho teve sua avaliação de rentabilidade imputada de forma compulsória.

Vamos esperar para ver as casas cheias de público? Vamos brigar para alguém nos dar a solução? Vamos construir uma solução de protocolos, empurrar goela abaixo e ficar comparando com os demais países? E o Uruguai, hein? E o Canadá, hein? Escorar-se em solução baseada na realidade dos outros é refresco. O fato é que temos um comportamento social diferente do comportamento sob multidão da Dinamarca, da Alemanha, entre outros. Nós nos aglomeramos, sim, o brasileiro canta, sua e se pega.

Muito artista reclama dos políticos querendo abrir suas cidades, mas são os primeiros a torcer para que os shows e eventos voltem – agora. O tempo é curto, não sabemos como serão as ondas de reinfecção e só podemos mudar a nós mesmos.

A mudança

Desde a remodelação do sistema de distribuição de fonogramas, e a entrada do streaming como item nativo de muitos celulares, o mundo nunca teve tanto tocador de música na história e dentro do bolso. Mas quem realmente ganha com isso? Com certeza, a menor parte vai para quem compôs a obra musical.

A métrica financeira da distribuição de música sempre pagou a menor parte dos dividendos aos seus criadores e intérpretes, mas alguém ganhou muito dinheiro pela execução e venda da música.

Não é por acaso que grupos como Sony, Warner, Disney, Apple, Universal, Rede Globo, Record, Microsoft, entre tantos outros, investem em música. Quem disse que música não dá dinheiro?

Se você, compositor ou intérprete, está no topo hoje, parabéns! Mas no momento em que sua audiência cair, você verá que valeu somente enquanto gerou ouvintes e público para suas apresentações.

Depois, seu valor financeiro será baseado em um algoritmo que lhe manda alguns centavos e não se importa se você foi uma estrela da música em algum momento na vida. Olhe para a Angela Ro, a Elza Soares e tantos os outros que têm expressado publicamente sua falta de recursos, em especial neste momento de pandemia.

Quem falou que a música deve ser gratuita?

A mentalidade brasileira sempre colocou o processo criativo longe do dinheiro. Aqui, no Brasil, parece que o dinheiro está sempre associado à exploração. Comumente ouço de artistas expressões como “arte não pode ser pensada como um produto”, “se pensarmos na arte como produto, ela se esvai”, entre outras afirmações.

Costumo contra-argumentar da seguinte forma: se pensarmos no campo das artes plásticas, o Romero Britto vende suas obras impressas em xícara, pôsteres e tudo que é quinquilharia. Mas, ao mesmo tempo, temos também obras de Picasso e Salvador Dalí sendo vendidas em camisetas, xícaras, pôsteres. Eu lhe pergunto: pensar a obra como um produto tira o valor da arte? Picasso teve sua arte diminuída quando começou a pintar louças? A resposta é não.

Por outro lado, após a queda dos CDs e DVDs, a venda da mídia física da música intangibilizou-a de vez. Some-se a isso quase 100 anos de disponibilidade da música gratuita para os ouvintes por meio das rádios.

Os artistas devem esperar o público ir atrás dele? É sério isso?

A decepção de vários artistas que outrora tiveram sucesso é visível. Ninguém escapa. A internet tem seu lado realista também. As redes sociais nos ensinam muita coisa sobre o comportamento humano: quem gosta de você, quem não gosta e quem está disposto a pagar para te assistir, o que é algo completamente diferente.

Não podemos cair no erro do anacronismo. A verdade de antes, a velocidade em que as obras musicais eram lançadas não se comparam com os números disponíveis hoje em dia. Com a oferta absurdamente alta, como se manter no pedestal do sucesso?

Milhares de artistas construíram sua história tocando de bar em bar, sendo ignorados, fazendo publicidade boca a boca. Alceu Valença ia anunciando seu show de megafone na orla do Rio de Janeiro em seu começo. Zélia Duncan, em um recente desabafo por ter sido contemplada num edital do Itaú, comentou que “tocou dezenas de vezes para plateias ínfimas” e arrematou: “Foque a poltrona cheia”.

Hoje, o artista novo que ser ídolo de YouTube, Instagram e Tik Tok antes de aprender a compor. Seria isso a versão da promoção do Alceu nas calçadas do Rio de Janeiro às avessas?

É a era da composição de 140 caracteres, poética tribal e a recompensa por isso. Em uma discussão com o maestro Júlio Medaglia, no programa Provocações, em 2010, Antônio Abujamra profetiza: “Júlio, a ignorância sempre será superior”.

Sociedade musical Jô-Jô: de Tom Jobim a Jojo Todynho

Na era do nanonicho, com nanolideranças e ampla acessibilidade a ferramentas, nada mais vem de cima para baixo como antes. Estamos em um mercado horizontalizado, ao mesmo tempo fragmentado com oportunidades para todos consumirem os sabores musicais que desejarem, não importa sua origem.

Da periferia veio Cartola, Dona Ivone Lara, Pixinguinha, Seu Jorge, Carlinhos Brown e também Jojo Todynho, Anitta, Tati Quebra-Barraco, MC Guimé, entre outros. Cada qual se comunica com um público e espelha o valor cultura refletido no País ao longo das gerações.

Para os patrocinadores de lives, o valor do artista é medido pela equivalência da sua audiência, perfil de público atingido, faixa etária etc. Sim, o artista é a mídia, e não necessariamente calcada na percepção de qualidade ou o que se supõe sobre ela, termo tão maleável atualmente.

O mundo está errado ou o artista não desceu do ônibus?

A mudança de hábito é o ponto. A arte de se aproximar do público e torná-lo cativo é a grande resposta para o momento de crise. A solução não é entrar em uma plataforma de monetização de lives, mas fazer isso depois que o artista já se aproximou da audiência pagante. E mais: sucesso do passado não garante dinheiro no presente.

O compositor Jorge Vercillo tem buscado saídas próprias para manter seu público cativado e conectado. A venda de lives para um público menor, misturando pocket shows personalizados com um diálogo com seu público tem sido uma alternativa. “Não vou entregar meu show de graça, nem vulgarizar a minha música”, explicou Vercillo à Música & Mercado.

O violeiro Ricardo Vignini possui um público muito seleto. Músico profissional, Vignini atuou com Lenine, entre outros artistas, além de ter uma carreira própria no nicho em que atua. De todas as conversas que tive com Ricardo, ele sempre pontuou a venda de lives também para seu público. Ricardo tem proximidade com seus ouvintes.

Adriana Sanchez, fundadora e líder da banda Barra de Saia, é considerada uma das principais sanfoneiras da atualidade. Antes da pandemia, Adriana era constantemente vista em apresentações para multidões em rodeios de todo o País. A reinvenção forçada pela restrição do coronavírus aos eventos fez a sanfoneira criar produtos como pocket shows para dias comemorativos, por exemplo, Dia dos Namorados, métodos de sanfona vendidos negociados na China, entre outras variações.

Mais do que nunca, o público tem a autonomia de escutar o que quer. A rádio não manda mais em nada. Artistas e seus agentes devem buscar um novo modelo para ampliar seus produtos de mercado, sem que isso necessariamente se caracterize como uma desvalorização (lembre-se do exemplo de Pablo Picasso e Salvador Dalí, que citei acima).

Viver em uma nova realidade é um desafio para intérpretes e artistas. Voltamos à máxima eternizada por Milton Nascimento: “O artista tem que ir aonde o povo está”. Enquanto tivermos artistas querendo viver de glórias passadas e empresários artísticos arrogantes, a conta não fechará, e não sou eu quem diz isso, é o mercado.

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