A ressocialização de detentos no Brasil tem ganhado novas dimensões com projetos que unem capacitação profissional e arte.
Iniciativas como o Sons da Liberdade, no Acre, e o Baqueart, em Pernambuco, utilizam a fabricação de instrumentos musicais para proporcionar aos internos uma oportunidade de recomeçar suas vidas de maneira digna, oferecendo uma nova perspectiva de reintegração social e profissional. Além de promoverem o desenvolvimento de habilidades técnicas, esses projetos utilizam a música como ferramenta de transformação, criando oportunidades reais para os presos saírem do sistema penitenciário com novas chances no mercado de trabalho.
Sons da Liberdade, realizado pelo Instituto de Administração Penitenciária (Iapen)
No Acre, o projeto Sons da Liberdade, realizado pelo Instituto de Administração Penitenciária (Iapen), se consolidou como uma referência nacional na ressocialização de detentos através da luthieria, a arte de fabricar instrumentos musicais. Desde maio de 2024, os reeducandos são capacitados a construir violões e guitarras de alta qualidade em uma oficina que proporciona 222 horas de aulas práticas e teóricas. O coordenador do projeto, Luiz da Mata, destaca que a iniciativa tem como objetivo oferecer aos detentos a chance de aprender uma nova profissão, preparando-os para o mercado de trabalho após o cumprimento de suas penas.
O reconhecimento da qualidade dos instrumentos fabricados pelos presos foi evidenciado durante a Expoacre 2024, onde os violões confeccionados na oficina chamaram a atenção de visitantes e músicos locais. “A madeira é de qualidade, e por ser feito por reeducandos, é algo muito interessante, muito gratificante”, comentou o músico Rafael Jones, que visitou o estande do Iapen durante o evento. Além do sucesso na Expoacre, o projeto Sons da Liberdade foi convidado para expor seus instrumentos na Conecta+ Música & Mercado, a maior feira de música da América Latina, um reconhecimento significativo da qualidade do trabalho realizado dentro do sistema penitenciário.
Jardel Costa, policial penal e instrutor de luthieria no Sons da Liberdade, enfatizou a satisfação dos detentos em ver seu trabalho sendo apreciado pela comunidade. “Eles têm ficado muito felizes, tanto com o instrumento pronto, quanto com o fruto do trabalho, também com as pessoas vindo ver o instrumento, tocar neles, ver que é um instrumento bom, de qualidade, que não perde em nada para um instrumento profissional”. Essa valorização do trabalho contribui diretamente para a autoestima dos reeducandos e reforça o potencial transformador da arte dentro do ambiente prisional.
Projeto Baqueart, no Centro de Ressocialização do Agreste (CRA)
Paralelamente, em Pernambuco, o projeto Baqueart, no Centro de Ressocialização do Agreste (CRA), localizado em Canhotinho, também promove a reintegração social por meio da música. Desde agosto de 2024, os detentos participam de aulas teóricas e práticas de fabricação artesanal de instrumentos de percussão, como zabumbas, surdos e pandeiros. Segundo Paulo Paes, secretário de Administração Penitenciária e Ressocialização de Pernambuco, o projeto busca oferecer uma formação técnica que permita aos internos sair do sistema penitenciário com condições de sustentar suas famílias e viver com dignidade.
Além da capacitação técnica, o projeto Baqueart se destaca pela abordagem ambientalmente sustentável, com a produção totalmente artesanal e manual, sem o uso de produtos químicos ou máquinas. Sérgio Reis, professor responsável pela formação dos internos, destacou a importância do método: “O processo é totalmente manual, respeitando o meio ambiente e ensinando uma nova forma de trabalho para os internos”.
A valorização do trabalho dos detentos no projeto Baqueart também é recompensada com remuneração e direito à remição de pena, conforme previsto na Lei de Execução Penal. “O Baqueart faz parte de uma transformação maior no sistema penitenciário de Pernambuco, onde trabalho, renda e educação são pilares fundamentais”, afirmou Alexandre Felipe, superintendente de Trabalho e Ressocialização. A iniciativa tem sido vista como um modelo a ser seguido, com planos de expansão para outras unidades prisionais no estado.
Essas iniciativas de luthieria dentro do sistema prisional não apenas promovem a capacitação técnica dos detentos, mas também oferecem um meio de abstração e reabilitação emocional por meio da música. Para Daniel Neves, presidente da ANAFIMA (Associação Nacional da Indústria da Música), os projetos têm uma importância multifacetada: “A fabricação de instrumentos musicais pelos detentos atua em dois parâmetros: a criação de um ofício e a abstração que o instrumento proporciona. Foi louvável a atitude das diretorias de ambos sistemas penitenciários que trouxeram estas atividades aos detentos”.
Ao capacitar os internos para uma nova profissão e permitir que eles utilizem a música como forma de expressão e superação, os projetos Sons da Liberdade e Baqueart demonstram o potencial transformador da arte dentro do sistema penitenciário. Essas iniciativas oferecem aos detentos uma oportunidade real de reescreverem suas histórias e de retornarem à sociedade com dignidade e novas perspectivas de vida.