Review do Leitor

Colabore com a comunidade musical.

Search

Som do Brasil: A aposta por um violão 100% brasileiro

João Scremin e Jennifer Cardoso apresentam seu primeiro violão feito somente com madeiras brasileiras.

Sparflex

A luteria brasileira continua evoluindo com propostas inovadoras e enraizadas na identidade musical do país. Um claro exemplo disso é o Som do Brasil, um projeto liderado pelo luthier João Scremin que, junto com sua esposa Jennifer Cardoso, desenvolveu um violão construído exclusivamente com madeiras brasileiras. Em uma conversa com a M&M, João compartilhou detalhes sobre sua trajetória, o processo de criação deste instrumento e o impacto que teve entre os músicos.

Da paixão pela música à construção de violões

João Scremin começou seu caminho na luteria em 1999, quando se mudou de Nhandeara, São Paulo, para a capital para desenvolver seu amor pelos instrumentos. Após estudar na B&H Escola de Luteria, trabalhou com o luthier Márcio Benedette, onde se especializou em guitarras. No entanto, sua verdadeira vocação estava na construção de violões de cordas de náilon.
O caminho não foi fácil. Em uma época com pouca informação disponível, João teve que aprender de forma autodidata, experimentando com materiais e técnicas até definir seu próprio método. Em 2005, construiu seu primeiro violão, que, anos depois, foi utilizado na gravação da abertura da novela Pantanal.
“Nessa jornada em busca de madeiras e absorvendo toda informação possível conheci o senhor Eugenio Follmman, que veio a se tornar um querido amigo. Em 2007 através dele conheci o diretor da madeiras Barber da Espanha, mantivemos contato e em 2008 surgiu a oportunidade de ir visitá-lo para conhecer a madeireira e grandes luthiers espanhóis. Passei um mês na Espanha conhecendo de pequenos ateliês a grandes fábricas, dias e dias imerso no universo da luteria e das madeiras. Esse foi um período de muito aprendizado, um divisor de águas para minha carreira. Quando retornei ao Brasil estava com muitas ideias para por em prática, segui trabalhando de maneira intuitiva e ao mesmo tempo cada vez mais profissional e qualificada”, relembrou João.
Depois disso, sua carreira decolou definitivamente após uma colaboração de oito anos com Yamandú Costa, para quem criou um modelo exclusivo.
Em 2011 Jennifer Cardoso, iniciou suas atividades no ateliê. A principio como ajudante nos acabamentos e pouco tempo depois se desenvolveu e passou a dominar todos os processos e trabalhar integralmente na construção dos violões. “Juntos nos entregamos inteiramente a desenvolver nosso trabalho, a dedicação de tempo e dinheiro durante um longo período foi muito árdua e intensa, tudo assegurado por nossa crença de estar no caminho certo. No período dos últimos 10 anos nosso trabalho foi se consolidando, colocamos em prática toda nossa criatividade e definimos a identidade da marca. O que nos colocou numa posição de destaque e referencia no mercado”, conta o luthier. “Ao final de 2025 completo 20 anos da construção do meu primeiro violão. É claro que vem um projeto comemorativo pra lá de especial! Aguardem!”, destacou João.

O nascimento do projeto Som do Brasil

A ideia de construir um violão 100% brasileiro surgiu em 2023, após um encontro com Claudio, da Made in Madeira, que apresentou a João e Jennifer algumas madeiras nacionais pouco exploradas na luteria tradicional. Foi aí que descobriram o Timburi, uma madeira que impressionou pela leveza e sonoridade.
Decidiram então assumir o desafio de construir um instrumento sem utilizar madeiras importadas, o que representava um desafio técnico considerável, especialmente na escolha do tampo e dos leques harmônicos, responsáveis por 90% da sonoridade do violão. Após um ano de testes e ajustes, em setembro de 2024 nasceu o Som do Brasil.

As madeiras brasileiras escolhidas

Para este projeto, João e Jennifer selecionaram cuidadosamente os materiais:

  • Tampo: Timburi
  • Laterais e fundo: Imbuia
  • Braço: Cedro rosa
  • Escala: Coração de negro
  • Cavalete: Jacarandá
  • Estrutura interna: Cedro rosa e cedro vermelho do Pará

Cada uma dessas madeiras foi escolhida não em comparação com as tradicionais, mas por suas próprias qualidades. Segundo João, “o Timburi é tão bom quanto o cedro canadense ou o abeto, e o Coração de negro é tão eficiente quanto o ébano africano”.

Recepção entre os músicos

O primeiro testemunho da qualidade do Som do Brasil veio dos próprios luthiers ao encordoar o violão pela primeira vez: “Não esperávamos tanto, sabíamos que soaria bem, mas não imaginávamos o quanto”.
Músicos que testaram o instrumento ficaram surpresos com sua projeção e timbre, entre eles o violonista Waldir Júnior, que o usou em uma gravação. Com o tempo, notaram que seu som evoluiu, com graves mais limpos e agudos bem definidos.

Haverá mais instrumentos com madeiras brasileiras?

MusicaeMercado

Inicialmente, o Som do Brasil era um projeto único, mas a excelente recepção fez com que João e Jennifer o incluíssem em sua linha de modelos disponíveis para encomenda.
O sucesso do Timburi como madeira para tampos gerou grande interesse entre outros luthiers e músicos.
“No tampo foi exatamente onde houve a maior diferença. O grande desafio técnico foi na sonorização, encontrar o ponto ideal de espessura do tampo, altura dos leques harmônicos, a massa efetiva. Sempre que se trabalha um material diferente precisamos resetar e ir aprendendo a dinâmica daquela madeira, ler muito bem suas características e trabalhá-las adequadamente”, enfatizou.

Sustentabilidade e o futuro do projeto

Embora o Som do Brasil não tenha nascido com um foco estritamente sustentável, João e Jennifer adotaram práticas responsáveis em seu ateliê, utilizando apenas madeiras com DOF (Documento de Origem Florestal) e plantando mais de 100 árvores de cedro rosa e jacarandá mimoso.
Para João, o futuro da luteria brasileira passa por valorizar as madeiras nacionais sem vê-las como “alternativas” de menor qualidade. “Fazer um violão com madeira nacional requer o mesmo trabalho que com madeira importada. Nosso papel é mostrar seu potencial e fazer com que sejam uma opção real no mundo do violão clássico”, disse.
O Som do Brasil é mais que um instrumento: é um manifesto sonoro que destaca a riqueza da luteria brasileira e o talento de seus artesãos. João e Jennifer conseguiram não apenas um violão excepcional, mas também uma declaração de identidade cultural e musical.
“Nossa expectativa é de que cada vez mais a madeira brasileira seja bem valorizada, além do jacarandá da Bahia. Temos materiais lindos e incríveis, fazendo um bom trabalho eles se tornam instrumentos de alto nível não deixando nada a desejar para madeiras importadas”, concluiu.

Veja o vídeo de apresentação do Som do Brasil aqui.


Teremos o maior prazer em ouvir seus pensamentos

Deixe um Comentário

Música & Mercado
Logo
Shopping cart